Encontro revelador
A sexta estação da via-sacra nos leva a contemplar e meditar sobre um encontro revelador entre Jesus e uma mulher chamada Verônica. Alguns exegetas sugerem que Verônica pode ser a mesma hemorroíssa do Evangelho Mc 5,25-34. Então, tomando essa tradição, nós queremos meditar um pouco sobre esse encontro e descobrir o que ele pode revelar acerca do nosso encontro com Jesus.

Créditos: Imagem gerada por Inteligência Artificial / Krea
No Evangelho, a mulher do fluxo de sangue não tinha nome. No caminho da cruz, ela é então nominada, pois aquele que toma a cruz de Cristo e torna-se Seu verdadeiro discípulo é por Ele conhecido. Jesus o chama pelo nome!
Vamos, então, conhecer um pouco mais sobre essa mulher e descobrir quais impressões ela nos ajuda a ter a partir do seu encontro.
O nome Verônica deriva do grego Beronìke, Berenice, que é Verônica. Segundo um texto apócrifo, os “Atos de Pilatos”: Um nome associado então erroneamente ao significado de “verdadeiro ícone”, em referência ao rosto de Cristo impresso no pano de linho”.
O Ícone na arte cristã
Contudo, esse significado do nome a partir do Latim Verônica: “Vero icona” ou verdadeiro ícone, imagem verdadeira, nos ajudará a meditar e contemplar essa estação.
Para entendermos um pouco sobre o que é o Ícone na arte cristã, que começa nas catacumbas, mais tarde sofre a influência da arte egípcia e daí vão surgindo os ícones, extremamente presentes, até hoje, na Igreja ortodoxa, mas também utilizados na Igreja Católica Romana.
“Pelo ícone, somos levados a recordar que Deus habitou na carne, a Sua Paixão, a Sua morte salvadora e, por isso mesmo, a libertação que daí resulta para o mundo” (cf. OUSPENSKY, 2007, p 162). O Ícone é mais que uma imagem, é uma presença, uma recordação representada com riqueza de detalhes.
Segundo o Frei Enrico Maiorano, ofm, “A figura de Verônica em si não seria tanto para associar à Paixão de Jesus, mas sim para conectar-se à figura da mulher hemorrágica, a mulher que sofreu por vários anos de perda de sangue e, tocando a bainha do manto de Jesus, foi curada instantaneamente. Podemos imaginar que o rosto de Cristo ficou para sempre impresso na memória dessa mulher. A tradição posterior acrescenta que ela mesma queria ter o rosto de Jesus retratado em uma tela para venerá-lo”.
Nisso percebemos que a arte tem para a Igreja um papel fundamental, “são dirigidas para promover o louvor e a glória a Deus, guiando os pensamentos dos fiéis e agindo sobre seus sentidos”. Foi por meio dela e da tradição oral que, durante séculos, a nossa fé foi ensinada, e que aquilo que não foi registrado em Palavras pôde ser ensinado até hoje. É ela que, muitas vezes, nos mostra detalhes que, de outro modo, não se poderia compreender.
O encontro de Jesus e Verônica revela, em primeiro plano, o Artista de maneira singular.
Verônica, movida por compaixão, enxuga o rosto ensanguentado de Jesus. Contemplando essa cena, podemos nos perguntar: para quê? Em que esse ato tão simples poderia atenuar as dores de Jesus ou o Seu sofrimento? Nem mesmo poderia estancar o Seu Preciosíssimo Sangue (recordando o que Jesus fez por ela em referência ao episódio da mulher hemorrágica), talvez até poderia provocar mais dor… Talvez! Mas o que a movia era, certamente, compaixão, desejo de dividir a dor, o peso, o sofrimento e, de algum modo, que somente pelo viés do amor se pode experimentar esse ato que traz alívio imediato para ambos.
Os corações de Verônica e de Jesus já estavam unidos, antes mesmo de lhe tocar as faces. Verônica contemplava Jesus que, pouco a pouco, se aproximava; e a cada passo mais perto, ia configurando-se a Ele, afeiçoando-se a Ele. Seu coração e tudo mais nela, naquele instante, revelava Jesus. E por que eu estou dizendo isso? Porque é simplesmente impossível que alguém possa aproximar-se de Deus daquela forma sem ser por Ele configurado, transformado.
Ouso afirmar que se Verônica fosse fotografada naquele instante, não se veria o seu rosto, mas o de Jesus; e penso que por isso, por alguns instantes, ela desaparece da vista dos soldados, eles não percebem a sua proximidade ao condenado. Os soldados, por instantes, veem um único ÍCONE. Foi uma explosão de amor que registra no pano o rosto de Cristo. Você consegue imaginar as marcas no coração de Verônica?
O Sangue de Jesus restaura a imagem de Deus em nós
Outrora, teve o seu sangue estancado; agora, o Sangue de Jesus é impresso naquele pedaço de pano. Diante do mistério do amor de Deus pelo homem, não somos mais que um trapo de pano dignificados e redimidos por Seu Sangue Precioso; o que havia se tornado um trapo, volta a ser uma tela. O Sangue, que antes escorria hemorrágico, mais uma vez, agora, sobre o pano.
Eu me pergunto se a sexta estação não poderia estar fazendo referência ao sexto mandamento: “Não pecar contra a castidade”. Ou conforme o Êxodo 20,14: “Não cometer adultério”. O pecado do adultério é uma traição antes a Deus, que é sempre fiel, que ama de maneira irrestrita ao Homem e que dá a vida para que o Homem seja salvo. E como Cristo amou a Igreja, assim o homem deve amar a sua esposa no matrimônio (cf. Ef 5,25).
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Alí, neste encontro com Verônica, Deus revela o Seu amor esponsal pelo Homem, que, pelo pecado, mancha a imagem e perde a semelhança do seu Artista/Criador.
O Sangue de Jesus, que vai descendo por Sua Sagrada Face e lavando o Homem do seu pecado, vai restaurando a imagem de Deus em nós, e fica impresso como uma memória visível de quão irreconhecíveis estávamos.
Há algum tempo, o Vaticano mostrou o que seria esse pano de Verônica, e, de maneira particular, eu fiquei um pouco decepcionada, pois, para mim, pareceu mais um borrão. Meditando sobre isso, compreendi que o sangue talvez tenha registrado, outrossim, a imagem do Homem naquele momento, não mais que um borrão em relação à semelhança de Deus.
Enfim, dá para ficar horas escrevendo as impressões que essa cena nos revela. Mas o mais importante, talvez, seja compreender que esse encontro é para nós, hoje, um convite a nos permitirmos que, pela contemplação dos mistérios de Cristo, sejamos por Ele “re-con-figurados” e passemos a revelá-Lo com nossa vida.
Deus abençoe você!
Esperamos por você aqui na Terra Santa.