A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) é um documento marco na história dos direitos humanos. Elaborada por representantes de diferentes origens jurídicas e culturais de todas as regiões do mundo, a Declaração foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em Paris, em 10 de dezembro de 1948, como uma norma comum a ser alcançada por todos os povos e nações. Ela estabelece, pela primeira vez, a proteção universal dos direitos humanos. Desde sua adoção, em 1948, a DUDH foi traduzida em mais de 500 idiomas e inspirou as constituições de muitos Estados e democracias recentes. Nesse sentido, pode-se lembrar que, no Brasil, um dos fundamentos da República Federativa é a “dignidade da pessoa humana”, como lemos no Art. 1º da Constituição de 1988, da qual este ano se celebra o 35º aniversário.
Pergunta-se: o que rege os Direitos Humanos? Por que se chegou a essa Declaração? O ano da publicação estava bastante próximo da conclusão da Segunda Guerra Mundial, caracterizada, infelizmente, pela perda de milhões de seres humanos, por destruições e atrocidades de todo tipo. Muito significativas nesse sentido foram as atrocidades perpetradas pelo nazismo, mas não somente pelo nazismo. Acrescente-se que se tratava de uma “segunda guerra mundial”, isso quer dizer que as atrocidades cometidas em todas as guerras tinham alcançado o mundo inteiro já pela segunda vez.
Sentiu-se, então, a necessidade de dar um “basta” a esses horrores. E daí surgiu a ideia dessa Declaração, para que, no mundo inteiro, fosse reconhecida a dignidade de cada ser humano.
Não haveria, no entanto, tal Declaração se, antes, não tivesse surgido o conceito da dignidade da pessoa humana. De fato, o valor que nós hoje damos à pessoa humana precisou de séculos para ser reconhecido.
Cristianismo nos Direito Humanos
O valor absoluto do indivíduo é, pois, um dado da revelação cristã. Ela, de fato, não está voltada ao gênero humano de modo abstrato, não diz respeito simplesmente à “raça humana”, mas é dirigida a todos os homens tomados individualmente, enquanto cada um deles é filho de Deus.
O filósofo marxista francês Roger Garaudy escreveu a respeito disso: “O cristianismo criou uma nova dimensão no homem: a da pessoa humana. O pensamento da antiga Grécia não estava em condições de conceber que o infinito e o universal pudesse exprimir-se em uma pessoa”.
No cristianismo, porém, o conceito de pessoa foi elaborado aos poucos.
A ocasião de tal aprofundamento ocorreu, principalmente, a partir das disputas teológicas acerca dos grandes mistérios da Trindade e da Encarnação, cuja solução contribuiu, de forma decisiva, a formulação exata do conceito de pessoa. Quanto à Trindade, perguntava-se: existem três deuses? E o Pai, o Filho e o Espírito Santo são o mesmo indivíduo? E quanto a Jesus Cristo, Ele é, ao mesmo tempo, Deus e Homem? Como isso?
A palavra “pessoa” foi fundamental para dar uma resposta a esta fé cristã. Em Deus, há três pessoas (a do Pai, do Filho e do Espírito Santo), que possuem uma única substância, são o Único Deus; e a única Pessoa do Filho de Deus se encarnou em Jesus de Nazaré, possuindo, assim, duas naturezas: a natureza humana e a natureza divina. Seu sacrifício na cruz nos salva, pois, como homem, ele nos representa e, como Deus, dá um valor infinito de salvação ao Seu sacrifício. Nós expressamos tudo isso com o simples e comum gesto de fé do Sinal da Cruz, no qual invocamos a Trindade Santa, agradecendo pelo grande dom da Salvação em Cristo Jesus, graças à Sua morte na cruz e ressurreição.
Aos poucos, o termo “pessoa” acabou sendo aplicado ao homem. Santo Agostinho fez isso na sua obra sobre a “Trindade”, afirmando que “cada homem é pessoa”. De fato, por ser o homem criado “à imagem e semelhança de Deus”, reflete em si a grande dignidade de “pessoa”: uma dignidade que não se encontra nos minerais, nos vegetais nem nos animais, mas só em Deus, nos anjos e nos homens. Ninguém, antes de Santo Agostinho, tinha chamado o homem de “pessoa”.
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O cristianismo e o reconhecimento dos direitos humanos
Historicamente, foi a partir do reconhecimento de que todo ser humano é uma “pessoa” que se desenvolveu a ideia dos direitos humanos. Nesse sentido, assim falou o então Papa Bento XVI no seu discurso ao Parlamento alemão, proferido no dia 22 de setembro de 2011. Ele fazia referência mais específica à cultura da Europa, mas não podemos esquecer que as Américas acabaram se tornando uma extensão da cultura europeia. Eis como se expressou o Papa naquela ocasião:
“Foi na base da convicção sobre a existência de um Deus criador que se desenvolveram a ideia dos direitos humanos, a ideia da igualdade de todos os homens perante a lei, o conhecimento da inviolabilidade da dignidade humana em cada pessoa e a consciência da responsabilidade dos homens pelo seu agir. Esses conhecimentos da razão constituem a nossa memória cultural. Ignorá-la ou considerá-la como mero passado seria uma amputação da nossa cultura no seu todo e privá-la-ia da sua integralidade. A cultura da Europa nasceu do encontro entre Jerusalém, Atenas e Roma, do encontro entre a fé no Deus de Israel, a razão filosófica dos Gregos e o pensamento jurídico de Roma. Esse tríplice encontro forma a identidade íntima da Europa. Na consciência da responsabilidade do homem diante de Deus e no reconhecimento da dignidade inviolável do homem, de cada homem, este encontro fixou critérios do direito, cuja defesa é nossa tarefa neste momento histórico.”
Em suma, o cristianismo continua salvando o mundo também por ser a raiz de onde nasceu o reconhecimento dos Direitos Humanos.