Sociedade

A profética solidariedade dos que creem

Ser solidário é acreditar na promessa de Deus

A solidariedade especificamente cristã pode ser compreendida através desta passagem de Atos dos Apóstolos: “Não tenho ouro nem prata, mas o que tenho eu te dou: ‘em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta-te e anda!’ E tomando-o pela mão direita, Pedro o levantou. Na mesma hora, os pés e os tornozelos do homem ficaram firmes, ele saltou, ficou de pé e começou a andar” (At 3,6-7). 

Essa passagem demonstra que, no fundo, a solidariedade é muito mais do que apenas dar algo material às pessoas. É, antes de tudo, estar sempre à disposição de doar-se ao próximo, dividindo, partilhando, doando os bens materiais e espirituais. Pedro não tinha ouro nem prata, mas tinha a fé em Jesus Cristo. Pedro tinha a profética solidariedade dos que creem: A providência de Deus. 

Anúncio de Fé e Ação Profética

Ensina o Evangelho de São Mateus: “Curai enfermos, ressuscitai mortos, purificai leprosos, expulsai demônios. De graça recebestes, de graça dai!” (Mt 10,8). A solidariedade cristã é sempre uma atitude profética, pois é anúncio. É anúncio de fé e de confiança no Deus da Providência. Quem possui a consciência de ser agraciado, de que aquilo que possui é dom de Deus, livremente agirá de modo solidário.

Além do material: a amplitude da solidariedade cristã

Segundo o Catecismo da Igreja Católica nº 1942: “A virtude da solidariedade vai além dos bens materiais. Ao difundir os bens espirituais da fé, a Igreja favoreceu, por acréscimo, o desenvolvimento dos bens temporais, a que, muitas vezes, abriu novos caminhos. Assim se verificou, ao longo dos séculos, a Palavra do Senhor: ‘Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais vos será dado por acréscimo’” (Mt 6, 33).

Dessa maneira, só conseguiremos compreender a solidariedade cristã quando compreendermos a íntima relação para com a fé na providência de Deus. No entanto, a solidariedade cristã não se resume somente em anúncio de fé, é também ação profética no âmbito social e moral. 

Crédito: Delmaine Donson / GettyImages

Virtude moral em prol do bem comum

Assim expressa o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, nº 193: “A solidariedade é também uma verdadeira e própria virtude moral, não ‘um sentimento de compaixão vaga ou superficial pelos males sofridos por tantas pessoas próximas ou distantes. Pelo contrário, é a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum, ou seja, pelo bem de todos e de cada um, porque todos nós somos verdadeiramente responsáveis por todos’. A solidariedade eleva-se ao grau de virtude social fundamental, pois se coloca na dimensão da justiça, virtude orientada por excelência para o bem comum, e na ‘aplicação em prol do bem do próximo, com a disponibilidade, em sentido evangélico, para ‘perder-se’ em benefício do próximo em vez de o explorar, e para “servi-lo” em vez de o oprimir para proveito próprio”.

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Um modo de ser, viver e existir

Dessa maneira, podemos compreender que a solidariedade cristã é mais do que atos isolados de dar esmolas ou auxílios materiais pontuais às pessoas com necessidades em épocas de campanha. É antes, um modo de ser, de viver e de existir: A solidariedade cristã marca o ser cristão, isto é, torna a pessoa sempre disposta a doar-se; marca o viver cristão, faz com que a pessoa viva em constante oferta; torna a existência cristã fortemente vinculada à caridade e ao serviço ao próximo. É a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum; é a consciência clara de que devemos ser, agir e existir pelo bem de todos e de cada um. 

É o que ensina o Catecismo da Igreja Católica, nº 1941: “Os problemas socioeconômicos só podem ser resolvidos com a ajuda de todas as formas de solidariedade: solidariedade dos pobres entre si, dos ricos com os pobres, dos trabalhadores entre si, dos empresários e empregados na empresa; solidariedade entre as nações e entre os povos”.

Abraçando a solidariedade em todas as esferas da vida

Por fim, poderíamos ainda acrescentar que os problemas emocionais, familiares e até religiosos só podem ser resolvidos com a ajuda da profética solidariedade dos que creem: solidariedade do abraço e da acolhida, do perdão e do cuidado; solidariedade entre pais e filhos e entre irmãos; solidariedade entre cristãos e não-cristãos, entre homens e mulheres de boa vontade. Solidariedade cristã é opção pelo Reino de Deus, é pertencer a ele.

Padre Bruno Otenio
Membro do clero da Diocese de Guarulhos. É formado em Filosofia pela UNIFAI-SP e bacharel em Teologia pela PUC-SP. Possui uma especialização em Logoterapia e Análise Existencial pelo Instituto Gewissen. Atualmente, é mestrando em Teologia Moral na Pontifícia Academia de Teologia Moral Alfonsiana em Roma na Itália, e faz pós-graduação em Psicologia Tomista pelo Instituto de Psicologia Tomista.