É bom pensar no que significam, todos os dias, as nossas palavras. Que fazemos com a língua diariamente?
Uma canção popular exalta, em versos muito simples, o valor da palavra: “Palavra não foi feita para dividir ninguém. Palavra é ponte por onde o amor vai e vem…”
A alma se exprime pelo corpo, especialmente pela língua. “Sendo o homem um ser ao mesmo tempo corporal e espiritual, exprime e percebe as realidades espirituais por meio de sinais e símbolos materiais. Como ser social, o homem precisa de sinais e de símbolos para comunicar-se com os outros, por meio da linguagem, de gestos e ações” (Catecismo da Igreja Católica, n. 1146).
Nós falamos, comunicamo-nos uns com os outros de inúmeras maneiras. Quanto não diz, com frequência, um simples olhar, um sorriso levemente esboçado, um silêncio significativo, um gesto de paixão ou um aceno impregnado de afeto! Muitos são os caminhos da linguagem que interligam, em comunhão, alma com alma. Mas a grande ponte que Deus nos deu para nos comunicarmos entre nós – e para nos comunicarmos com Ele – é a palavra: palavra pensada, interior; palavra pronunciada; palavra publicada.
É falando, conversando, escrevendo que estamos a construir, constantemente, pontes de intercomunicação: por elas a nossa alma – a nossa vida! – vai passando e chega até os outros, com toda a sua carga de alegrias e dores, de ódios e amores, de desconcertos e dúvidas, de enganos e desenganos, de perplexidades e certezas, de esperanças e ilusões. É bom pensar no que significam, todos os dias, as nossas palavras. Constroem ou destroem? Enriquecem ou desgastam? Que fazemos com a língua diariamente? Talvez, de súbito, não saibamos responder, mas uma coisa é certa: fazemos muito; de bom ou de mau, mas fazemos muito.
Palavras de amor são sempre fecundas
Quando as palavras têm raízes no amor, são sempre fecundas. “Da abundância do coração fala a boca” (Lc 6,45). Muitos corações, torturados pelo erro, pela vergonha ou pelo desespero reergueram-se por uma só palavra de Cristo (cf. Mt 8,8). Os olhos da mulher adúltera, cerrando-se para não ver as pedras com as quais os fariseus iam esmagá-la, recuperaram a luz perdida e se acenderam com claridades inéditas, mal ela escutou as palavras de perdão e alento de Cristo: “Vai e não peques mais!” (Jo 8,11). Zaqueu, o arrecadador desonesto, sentiu o coração arrebentar-lhe o peito quando Jesus, ao passar junto dele, em vez de lhe espetar um remoque de desprezo, lançou-lhe uma palavra amiga: “Zaqueu, desce depressa, porque é preciso que eu fique hoje em tua casa” (Lc 19,5). Pedro viu-se como um morto-vivo acabado de desenterrar quando Cristo, com a doçura do perdão na língua, em vez de recriminá-lo pela sua indigna traição, perguntou-lhe: “Simão, filho de João, amas-me mais do que estes?” (Jo 21,15).
Palavras de compreensão, de perdão, afeto e estímulo; palavras que acordam, elevam, iluminam, desvendam erros, apagam dúvidas, apontam rumos; palavras de amor, compaixão e confiança, palavras-dom… Se quiséssemos, a nossa vida inteira, cada um dos nossos dias, poderia ser uma contínua chuva de palavras fecundas, capazes de suscitar vida, sem provocar tristezas nem ira, nem ódio. Não há uma única situação, agradável ou constrangedora; não há uma só pessoa, neste mundo, que não possa fazer surgir, do bom tesouro do coração (cf. Lc 6,45), que, verdadeiramente, ama uma palavra construtiva.
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Já imaginamos o que seria a nossa vida se, em cada instante, fôssemos capazes de proferir a palavra acertada, toda ela impregnada de sinceridade e amor, sem sombra de malignidade, irritação, rancor, orgulho, rudeza ou desprezo? Não há dúvida de que, além de nos tornarmos a alegria de Deus, seríamos a felicidade dos homens. Já pensamos no que seria a “utopia” de um mundo em que as palavras faladas, emitidas ou impressas, fossem apenas veículo da verdade e da caridade? Se a nossa fantasia tivesse um mínimo de asas, perceberíamos que esse mundo admiravelmente novo seria o próprio céu, pois não há um só mal no mundo que, de alguma maneira, não esteja fundido com a maldade das palavras.
Examinemos nossas palavras
Esse “admirável mundo novo” não existe, e toca a cada um de nós examinar a parte com que contribuímos para a sinfonia amorosa ou para a dança macabra das palavras.
Façamos esse exame com sinceridade na presença de Deus. Pensemos que nosso Senhor, como Médico Divino, poderia nos dizer o que, às vezes, os médicos humanos nos dizem: “Mostra-me a língua! E eu te farei ver teu coração, porque as tuas palavras – com as suas mil tonalidades, cargas, intenções e acentos – são um retrato falado do teu coração: dos teus sentimentos mais íntimos, das tuas purezas e sujidades, dos teus tesouros espirituais e das tuas carências lastimáveis. Não esqueças nunca que ‘a boca fala daquilo de que o coração está cheio'” (cf. Lc 6,45).
Padre Francisco Faus