Atendendo confissões, eu me dei conta da importância de abordar um assunto muito sério: a mentira. Como ela destrói relações e cria situações graves no nosso cotidiano! Muitas vezes, no entanto, nós a tratamos como um simples pecado de criança, que é confessado uma única vez antes de fazer a primeira comunhão. Já que o tema é vasto, proponho uma pequena série de 3 artigos, a começar por este que está lendo.
Vamos falar a verdade sobre a mentira?
Uma constatação: todos mentimos, e alguns, mais do que outros (e de maneira incontrolável). A mentira pode até ser uma doença que precisa ser tratada: a mitomania (mas esta não é a finalidade deste artigo). Muitas vezes, nem nos damos conta: uma mentirinha no trabalho, outra na escola, outra em família, mais outra para um amigo; mentira na política, mentira na justiça, mentira na Igreja e por aí vai… tudo isso sem falar do grave problema das fake news, as notícias mentirosas nas quais muitas vezes acreditamos e espalhamos pela internet.
O filósofo francês de origem russa Alexandre Koyré afirmava que “mentir, mais do que rir, é próprio do homem!” Uma afirmação bem fatalista. Lendo isso, tenho a impressão de que só temos duas saídas: o desespero (“vamos morrer nesse pecado; não há solução!”) ou o conformismo (“já que é assim, por que lutar para não mentir?”). Nenhum desses pensamentos é bom.
O que diz o 8° mandamento?
«Não levantarás falso testemunho contra o teu próximo» (Êxodo 20,16). O Catecismo da Igreja Católica (CIC) explica que “o oitavo mandamento proíbe falsificar a verdade nas relações com outrem. Essa prescrição moral decorre da vocação do povo santo para ser testemunha do seu Deus, que é e que quer a verdade. As ofensas à verdade exprimem, por palavras ou por atos, a recusa em empenhar-se na retidão moral: são infidelidades graves para com Deus e, nesse sentido, minam os alicerces da Aliança” (§ 2464).
Deus é santo, e n’Ele não há mentira. Se somos chamados à santidade, a sermos semelhantes a Ele, temos que viver a verdade, o que quer dizer que não deve haver em nós espaço para a mentira nem para a falsidade. Jesus nos diz: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida!” (Jo 14,6). A conclusão a que chegamos é que, quando mentimos, quebramos a aliança com Deus, que é a verdade, e agimos como filhos das trevas, do pai da mentira – o demônio.
Lembremo-nos também destas palavras de Jesus: “vós tendes como pai o demônio e quereis fazer os desejos de vosso pai. Ele era homicida desde o princípio e não permaneceu na verdade, porque a verdade não está nele. Quando diz a mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira” (Jo 8,44).
De fato, precisamos ser vigilantes: a Palavra de Deus é clara; o que pode estar sombrio é o nosso coração. Nunca esqueçamos a paternidade satânica da mentira: ela vem dele, é inspirada por ele de maneira direta ou indireta. O demônio é o inimigo de Deus que é a verdade absoluta e fonte da verdade.
O que é a mentira?
Não poderia responder de maneira mais simples e direta que o Catecismo: “A mentira é a ofensa mais direta à verdade. Mentir é falar ou agir contrariamente à verdade, para induzir em erro. Lesando a relação do homem com a verdade e com o próximo, a mentira ofende a relação fundamental do homem e da sua palavra com o Senhor” (CIC §2483).
No capítulo 3 de sua obra “sobre a mentira” (De Mendacio), Santo Agostinho diz: “mentir é ter uma coisa na mente e enunciar outra, seja com palavras, seja com sinais quaisquer. É por isso que se diz que o mentiroso tem o coração duplo, ou seja, um duplo pensamento: o pensamento da coisa que ele sabe ou acredita ser verdadeira e que não expressa, e o pensamento da coisa que ele expressa, mesmo sabendo e acreditando que é falsa”.
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Existem várias formas de mentir?
Se tomarmos em consideração que o “mentiroso tem o coração duplo”, perceberemos que mentir vai além do fato de enganar alguém. Existem vários desdobramentos do 8° mandamento, e muitos deles nem imaginamos.
Com a ajuda do Catecismo (§2476-2481), vou destacar dez “formas de mentir” (creio que existam mais):
– Perjúrio: trata-se de um juramento falso, da quebra de um juramento ou de falhar uma promessa. Alguns exemplos: se, diante de um juiz, sob juramento, eu falto com a verdade, posso contribuir para a condenação de alguém, o que não é justo; ou então, se eu digo que farei algo, devo ir até o fim e cumprir a promessa feita, caso contrário não fui verdadeiro.
– Juízo temerário: ele acontece quando fazemos um julgamento apressado, sem provas, baseado nas impressões que tivemos da pessoa ou da situação, ou em informações de segunda mão (“disseram-me que” ou “ouvi dizer que”).
– Maledicência: a própria palavra traz o significado – “dizer mal”. Quando falamos mal de alguém ou sobre alguém, expomos a intimidade da pessoa e tiramos injustamente a sua boa fama.
– Calúnia: trata-se de uma afirmação falsa, de maneira pública, contra alguém, ofendendo a honra da pessoa atacada. Desse grave pecado, muitos santos foram vítimas na história da Igreja (são Narciso, são Padre Pio, são Geraldo Magela…).
– Difamação: ela se parece com a calúnia – acontece quando desonramos uma pessoa espalhando informações falsas sobre ela.
– Injúria: ligada, de certo modo, às duas precedentes, é quando alguém diz algo falso, desonroso e prejudicial diretamente para a pessoa atacada. Por exemplo: alguém chama um menino pobre que passa na rua de “ladrãozinho” (sendo que ele não é). Já vi essa cena algumas vezes.
– Lisonja (adulação): significa enaltecer de modo exagerado alguém, para bajular e conseguir privilégios e vantagens. Lembra daquela vez que “puxou o saco” da patroa para subir de cargo, sendo que você sabia que o que estava dizendo não era verdade? Então, isso também é pecado.
– Complacência: concordar com outra pessoa somente para agradá-la também fere o oitavo mandamento.
– Jactância: essa palavra não faz parte do nosso vocabulário habitual, mas o que ela significa está bem presente em nosso quotidiano. Acontece quando nos gabamos ou nos vangloriamos de nossas próprias qualidades. Na maioria das vezes, falamos bem demais de nós mesmos para esconder o que, na realidade, não somos e não temos; ou seja, mentimos!
– Ironia: esse comportamento demonstra desdém e menosprezo por algo ou por alguém. Ele é acompanhado de caricaturas que exageram certos defeitos ou qualidades de alguém e acabam ofendendo e ferindo.
Convenhamos: exagerar é faltar com a verdade! Acho que para este primeiro artigo já fui longo demais. Nos próximos artigos, tratarei do porquê mentimos, para quem, das consequências e dos remédios possíveis.
Guarda tua língua do mal, e teus lábios das palavras enganosas.
Aparta-te do mal e faze o bem, busca a paz e vai ao seu encalço.
Os olhos do Senhor estão voltados para os justos, e seus ouvidos atentos aos seus clamores.
O Senhor volta a sua face irritada contra os que fazem o mal, para apagar da terra a lembrança deles.
Apenas clamaram os justos, o Senhor os atendeu e os livrou de todas as suas angústias.
(Salmo 33,14-18)