RELACIONAMENTO

O desapego é prejudicial para as relações humanas?

É comum que a humanidade alterne entre extremos. Parece-me que uma mudança de extremos aconteceu recentemente: se há pouco se faziam intensas declarações de amor por muito pouco de experiência e convivência, agora, o menor sinal de afeto indica vulnerabilidade. Antes, eram declarações superficiais; agora, é o desapego. Nenhum desses extremos é o ideal. Por que o desapego é prejudicial para as relações humanas?

O mais curto versículo da Bíblia tem duas palavras: “Jesus chorou” (Jo 11,35). Observa-se, nessas palavras, a humanidade do Filho de Deus. Naquele momento, Jesus estava diante de seus amigos que sofriam. Eram Marta e Maria que choravam a morte de Lázaro (Jo 11, 33). A passagem nos fala que Jesus estava comovido e conturbado, porque sua amiga Maria chorava, e muitos judeus choravam com ela. O amor pelo próximo requer empatia e pede que compartilhemos os sentimos do outro para entendê-los em profundidade. Jesus ressuscitará seu amigo Lázaro em seguida, mas não poderia menosprezar o sentimento de pessoas tão próximas e amadas.

O desapego é prejudicial para as relações humanas

Foto ilustrativa: PeopleImages by Getty Images

O desapego como consequência de relações superficiais

A Palavra de Deus nos fala dos amigos de Jesus – Maria, Marta e Lázaro – em três oportunidades: quando Jesus se hospedou na casa deles e foi acolhido com a recepção de Marta e a atenção de Maria (Lc 10,38-42); depois, a visita ocorreu em razão da já mencionada morte de Lázaro (Jo 11,1-45); e, pouco antes da Páscoa, quando Jesus foi ungido de genuíno perfume de nardo (Jo 12,1-11). Essas passagens nos mostram que a amizade de Jesus com os irmãos era verdadeira e duradoura. Não era uma relação superficial. Jesus era bem recebido na casa deles, ali ceava e foi ungido com caro e nobre perfume, além de compartilhar, de forma profunda, o sentimento das irmãs pela morte de Lázaro. Ao exemplo do Cristo, as relações devem ser profundas e sinceras, o que não se alcança com intenções superficiais.

O desapego é o medo da frustação por não ser correspondido. Isso acontece quando uma relação é demais superficial. Por um tempo, o afeto se apresentava nas relações de forma muito rápida e sem significado. Atualmente, há tanto medo de não ser correspondido, que surgiu uma espécie de competição por quem demora mais para demonstrar afeto. Ora, verdadeiras relações são construídas com tempo, convivência e afinidade. Se por um lado não se deve apressar as coisas, por outro, o desapego impede que uma relação mais madura surja, porque todo o ato de afeto é propositalmente contido. De fato, você não deve entregar-se em sentimentos superficiais, mas não endureça seu coração, forçando-se a esconder o sincero carinho e a admiração pelo outro.

É vergonhoso utilizar-se das pessoas para benefício próprio

O Papa Francisco nos ensina algo que é válido nas nossas relações humanas e sociais: “Quando procuramos sobretudo a satisfação das nossas necessidades, corremos o risco de usar pessoas e de instrumentalizar as situações para as nossas finalidades. Quantas vezes já ouvimos de uma pessoa: ‘Mas esta usa as pessoas e depois esquece-as’. Usar as pessoas para o próprio benefício é vergonhoso. E uma sociedade que se concentra nos interesses e não nas pessoas é uma sociedade que não gera vida”. Há o sofrimento que faz com que o desapego pareça bonito, e esse sofrimento não vêm das demonstrações de afeto, mas sim da vaidade e do egoísmo. Quando o afeto pelo outro é superficial, seus atos têm o único objetivo de serem retribuídos, e se essa retribuição não acontece a frustração é atordoadora. Portanto, o desapego só encontra lugar no egoísmo e na vaidade das relações rasas.

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Não menospreze seus próprios sentimentos entregando seu afeto de forma superficial. Mas também não endureça seu coração de forma a impedir que uma relação saudável surja, o que leva tempo. Nenhum dos extremos é o ideal. O desapego é prejudicial, pois o impede de vivenciar relações verdadeiras e sinceras. Que Jesus Cristo seja sempre nosso exemplo de amor ao próximo, e que, com o coração cheio de alegria e caridade, possamos formar relações sinceras. Que assim seja!

REFERÊNCIAS

BÍBLIA SAGRADA. Tradução da CNBB, 18 ed. Editora Canção Nova.

FRANCISCO. Angelus. Vaticano, 01 ago. 2021.

Equipe Formação Canção Nova