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As desconexões e os lutos devem provocar a sociedade à lucidez

As sinapses cerebrais são calculadas a partir de números semelhantes ao de conexões em galáxias. É, certamente, uma quantidade difícil de ser mensurada. É preciso considerar, no entanto, a importância das conexões cerebrais e de tantas outras relacionadas ao contexto social. Elas são indispensáveis para se alcançar metas que garantam uma vida saudável. A falta de conexão, ou a desconexão, gera prejuízos, que podem ser irreversíveis. No horizonte desafiador das conexões é que se compreende também o alcance da afirmação fundamental e determinante advinda do âmbito da ecologia integral: tudo está interligado, isto é, em sistema de conexões. Compreende-se, assim, que desconexões promovem disfunções, conforme revelam diferentes descalabros ambientais, provocados, por exemplo, pela mineração extrativista, com indiscriminada exploração dos recursos naturais. A covid-19 e tantas outras pandemias resultam de desconexões.

Foto Ilustrativa: By Getty Images / AscentXmedia

As desconexões agridem o meio ambiente

Papa Francisco lembra, na Carta Encíclica Laudato Si’ – sobre o cuidado com a casa comum: há um clamor da Terra, nossa irmã, na afirmação de São Francisco de Assis, contra o mal que lhe é provocado, de maneira irresponsável, com a abusiva apropriação de seus bens, dons de Deus. As desconexões ambientais têm provocado agressões ao meio ambiente, uma questão ainda tratada inadequadamente pela legislação brasileira. A humanidade cresceu pensando ser a “dona do mundo”, com autoridade e direito para saquear a Criação. Trata-se de uma séria desconexão humanitária que precisa ser, pedagógica e disciplinarmente, corrigida por legislações mais rigorosas. Mas há falta de coragem e de lucidez para promover avanços legislativos. Prevalecem a conivência, o “levar vantagens” pecuniárias ou eleitorais a partir do sacrifício vergonhoso do meio ambiente. Manifestação lamentável da violência que toma conta do coração humano, ferido pelo pecado.

Ao se calcular, amargamente, as desastrosas consequências da covid-19, há de se remontar ao nascedouro de desconexões muito graves, comprovando o nível de loucura de uma sociedade, refletido em seus dirigentes e cidadãos. Colapsos nas sinapses cerebrais talvez expliquem tantos desvarios que precisam ser contidos com a lei, com procedimentos educativos e terapêuticos para evitar que a sociedade se precipite no caos. Oportuna é a referência, entre outras existentes, ao projeto “Amazoniza-te”, uma escola que oferece a possibilidade para aprendizagens. E entre as lições a serem aprendidas estão o exercício da solidariedade, reconhecer a importância do próximo, que é irmão, cultivar sensibilidade ambiental, com incidências na ação social e política, a partir de qualificado humanismo e do diálogo com diferentes culturas.

O dom da lucidez

É preciso afrontar síndromes de desconexões, fazer crescer o “coro dos lúcidos”, nas instituições e segmentos da sociedade. Isso significa investir em quem está com seus sistemas de sinapse cerebral funcionando adequadamente. É preocupante constatar o crescimento de fundamentalismos e polarizações que alimentam descasos em campos imprescindíveis para todas as sociedades: saúde, educação, democracia e dignidade humana. O dom da lucidez inclui equilíbrio emocional, a competência para a gestão de processos, sendo condição fundamental para bem conduzir o destino de uma nação e preservar valores que devem ser intocáveis. Constata-se, pois, que instituições governamentais e segmentos da sociedade não podem permanecer inertes diante da necessidade de se mudar rumos. É preocupante e doloroso perceber, por exemplo, a velocidade com que se aproxima a marca dos cem mil mortos pela covid-19 no Brasil – cada vez mais uma nação enlutada.

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Esse luto crescente atesta as incompetências em âmbitos decisivos da gestão governamental nos diferentes níveis. Nesses cenários de desconexões e lutos, o “coro dos lúcidos” precisa ser encorpado e qualificado pela profecia cristã, com força de produzir conexões, sem medo, sem delongas e sem parcialidades. Assim é possível ajudar a eliminar as causas estruturais das disfunções políticas e econômicas, superar modelos de desenvolvimento incapazes de respeitar o meio ambiente, a dignidade da pessoa humana, especialmente dos mais pobres e vulneráveis. O luto que cobre a sociedade brasileira convoca os cristãos: em vez de perder tempo com discussões inócuas, devem, cada vez mais, trabalhar na promoção da justiça, abrindo novos caminhos para a sociedade brasileira.

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Dom Walmor Oliveira de Azevedo

O Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, é doutor em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana. Atual membro da Congregação para a Doutrina da Fé e da Congregação para as Igrejas Orientais. No Brasil, é bispo referencial para os fiéis católicos de Rito Oriental. http://www.arquidiocesebh.org.br