Dia do filósofo

A filosofia: uma necessidade primária do espírito humano

Alguém poderia perguntar: por que o homem tem a necessidade de filosofar? Desde priscas eras, a resposta mais plausível é a seguinte: essa necessidade encontra-se enraizada na estrutura da própria natureza humana. Como assinalou Aristóteles, há muito tempo, em sua Metafísica, por natureza, todos os homens aspiram ao saber (Aristóteles, 2012).

A filosofia uma necessidade primária do espírito humano

Crédito: Panagiotis Maravelis / GettyImages

E os homens tendem ao saber porque ficam admirados com tantas questões profundas e fundamentais que rondam a natureza em geral e, em especial, a natureza humana, inclusive, aquelas que levam à investigação sobre a origem de todas as coisas. Sim, os homens sentiram e sentem a necessidade de filosofar, tanto agora como nas origens, por causa dessa indeclinável admiração. O nutriente do filosofar é, pois, a chama da admiração, aquela que provoca espanto e maravilhamento com a totalidade das coisas.

A necessidade da filosofia e a exploração da condição humana

Filósofos não são seres especiais com capacidades extraordinárias. São apenas humanos com alguma importância para a humanidade de ontem e de hoje. Seus esforços são voltados para preservação da razão objetiva, o máximo possível, ainda que ela tenha algumas limitações próprias, sobretudo quando multifacetárias irracionalidades pretendem se assenhorar de todas as coisas. Eles não são só importantes pelo que dizem sobre todas as coisas, mas também pelo que tentam evitar que se diga a respeito delas, sem quaisquer princípios e fundamentos. Pensam muito mais do que dizem. Dizem muito menos do que pensam. E, quando dizem, são rigorosos em suas ideias, em seus conceitos, porque nutrem enorme respeito pela inteligência alheia.

Jamais deixam de cultivar a crítica e a reflexão, tão indispensáveis, em qualquer tempo e espaço, mormente, quando a vida humana parece emparedada por alienações desastrosas e manipulações banalizadoras de toda sorte, que invertem e pervertem a ordem das coisas, tornando-as caóticas. Não é por outro motivo que o símbolo da filosofia é uma coruja. É só um símbolo, mas ele tem muito significado. Quando cai a noite, ela está acordada, de olhos bem abertos, para ver aquilo que os que dormem não veem: a complexa realidade que cerca a vida humana. Bem entendida, complexa é uma ordem de coisas tecidas juntas umas com as outras.

A filosofia como antídoto contra a superficialidade e a ignorância

Os néscios verborrágicos disparam suas opiniões falaciosas sobre todas essas coisas. Não raras vezes, querem se valer de argumentos de autoridade, e não da autoridade dos argumentos. Esses incautos atraem e formam legiões de seguidores, sempre apresentando suas soluções imediatas e fácies para questões complexas, como se fora um passe de mágica.

Os filósofos sempre tiveram sérias dificuldades com essas ilusões todas, que depreciam a verdade das coisas e tripudiam na ignorância alheia. A verdade das coisas merece destaque. Ela pode e deve ser perseguida por todos que leem, com cuidadosa atenção, uma frase de Tomás de Aquino, quando escreveu seus comentários à obra De caelo et mundo, de Aristóteles, que o estudo da filosofia não é para saber o que os homens compreendem, mas de que modo se encontra a verdade das coisas (Aquino, 2024).

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A filosofia socrática e a busca desinteressada pelo saber 

Mas nada de desespero. O menoscabo pela verdade das coisas não é de hoje. Há mais de dois milênios, Sócrates procurou mostrar como confrontá-los com sua sábia e corajosa presença. É bem verdade ele que podia permanecer recolhido no recesso de seu lar, sem maiores problemas. Pagou com sua própria vida por sua atitude de filosofar com os outros, procurando dialogar com todos, até com os mais hostis a ele. Aliás, um de seus atentos ouvintes, Arístocles, mais conhecido por Platão, em sua Carta VII, registrou que filosofar não é uma atividade que enclausure o indivíduo em si mesmo; ao contrário, é abertura aos outros para partilha solidária, e não solitária, do conhecer e do reconhecer o que há de verdadeiro e falso em todas as coisas (Platão, 2008).

A escolha de Sócrates foi livre e consciente. Ele procurou o diálogo aberto e franco. E foi assim que ele decidiu viver e morrer: saiu ao encontro dos outros para realizar aquilo que tinha em sua alma como uma missão inarredável: levar alguma claridade, centelhas refinadas de luminosidade ao ébano da ignorância arrogante que grassava em sua terra. É isso mesmo: a filosofia não é para acomodados, mas para incomodados.

Então, lá foi o ateniense filosofar na ágora, na praça pública, deixando aos seus compatriotas de todas as idades um ensinamento que ecoa, de Atenas mundo afora, por incontáveis gerações: uma vida sem busca não é digna de ser vivida. Mas que busca é essa ensinada pelo velho e feio Sócrates? Muito simples. É a seguinte: uma busca amorosa e desinteressada pelo saber que ajude a preencher a alma humana. A vida seria completamente esvaziada sem essa aspiração noética, que é intelectual e espiritual ao mesmo tempo.

Virtude e felicidade: as lições atemporais da filosofia clássica

Essa memorável lição socrática pode ser assim entendida: um ser humano virtuoso não pode sofrer nenhum mal, nem na vida, nem na morte. Nem na vida, porque, ainda que os outros possam danificar seu corpo e seus bens, jamais serão capazes de arruinar- lhe a harmonia da alma. Nem na morte, porque, na possibilidade de existência de um além, o virtuoso desfrutará nele de um banquete inigualável, não obstante já tenha colhido alguns de seus melhores frutos no aqui e agora, nesse aquém pelo qual essa mesma alma virtuosa passa e deixa rastros inextinguíveis de sua sublime presença.

Marcius Tadeu Maciel Nahur

Referências
AQUINO, Tomás de. De caelo et mundo expositio. Disponível em: http://www.corpusthomisticum.org/ccm0.html. Acesso em: 15 jul. 2024.
ARISTÓTELES. Metafísica. Tradução de Edson Bini. 2. ed. São Paulo: Edipro, 2012. 368 p.
PLATÃO. Carta VII. Tradução de José Trindade Santos. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2008. 116 p.

 

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