O dom da paz é um bem a ser conquistado e cultivado permanentemente
Dizer “somos da paz” não apenas como simples “slogan”, mas a partir da força própria da linguagem, produz efeitos sobre a consciência coletiva e no interior de cada pessoa. Para cultivar a prática de dizer e viver a expressão “somos da paz”, é preciso mobilizar esforços de toda ordem. Torna-se imprescindível investir na educação para a paz. Esse exercício urge e requer o envolvimento permanente de famílias, igrejas, escolas, governos e os mais variados segmentos da sociedade. Um grande mutirão sem o qual o avanço em direção à conquista desse dom estará comprometido.
Foto: Wesley Almeida/cancaonova.com
A meta e a dinâmica para o cultivo do dom da paz têm uma inteligente indicação do apóstolo Paulo que, escrevendo aos Romanos, diz: “Não te deixes vencer pelo mal, vence antes o mal com o bem” (Rm 12,21). Trata-se de um exercício existencial que produz resultados imediatos. Afasta os riscos e prejuízos que fatalmente surgem quando a fúria, a intolerância, o revide e a vingança tomam conta do coração humano.
Perder a paz interior tem se tornado cada vez mais comum porque não se respeita o compromisso com a verdade e com a justiça. Multiplicam-se fatos e ocorrências que revelam os absurdos praticados nas ruas, com confrontos que ferem não só a dignidade humana, mas também têm provocado outras modalidades vergonhosas de lesões – morais e corporais. As estatísticas da violência, de variados tipos, os confrontos entre pessoas, grupos e diferentes segmentos da sociedade brasileira comprovam o tamanho do problema. Talvez, por ser uma nação continente, com regiões separadas por grandes distâncias, aqui tudo se dilui sem produzir impactos proporcionais aos acontecimentos. As reações se concentram nos territórios em que determinada ocorrência grave se desenvolveu e tornam-se mais pontuais nas regiões mais distantes.
Porém, basta olhar para o conjunto da sociedade e perceber os prejuízos generalizados que surgem a partir da ausência de diálogo, das imposições e da indiferença em relação à dor dos mais sofridos e pobres. A sociedade está, cada vez mais, envolvida em um campo de batalha homicida e algoz. É preciso um esforço social dos grupos e segmentos, com a indispensável parcela da contribuição de cada pessoa a partir de elaborada e educada consciência social e política, para que se possa sair desse círculo vicioso da violência. Deve-se buscar a justiça que, infelizmente, muitas vezes, não é meta de instâncias governamentais, religiosas, organizações e líderes diversos.
Distorcida a verdade e desfigurado o compromisso com a justiça, instala-se a tirania dos conchavos, acirra-se a busca sem limites pelo poder, a presença de medíocres, que não são capazes de fazer a sociedade alcançar respostas novas, em postos estratégicos. Urgente e prioritário é o investimento na recomposição da gramática da lei moral na consciência de todos. As manifestações sociais e políticas do mal, nos cenários da sociedade, indicam estado de emergência. Afrontar essa realidade complexa e abrangente que vem comprometendo a paz depende de políticas públicas, de ações governamentais, de protagonismos dos segmentos da sociedade e de contribuições religiosas mais significativas.
Vale, no entanto, tomar em consideração o princípio fundamental, com efeito imediato sobre a realidade, qualificador das relações: cada pessoa compreender-se como coração da paz. Ser coração da paz é um projeto pessoal que prioriza o cultivo da força interior. Fala-se hoje de todo tipo de força. Entre outras, comenta-se sobre a força política para se ganhar eleições, fazer “passar” projetos, inclusive os que não respeitam os interesses sociais. Há também a força econômica relacionada ao poder sustentado pelo dinheiro, muitas vezes, alicerçada no sofrimento de quem vive na miséria e na fome.
Pouco se comenta, no entanto, sobre a força interior, verdadeira espiritualidade, que é a indispensável competência para uma leitura humanística da realidade, com desdobramentos incidentes de escolhas e decisões que favoreçam mudanças mais rápidas em resposta aos problemas e clamores do povo. A força interior, cultivada na espiritualidade, meditação, silêncio, é que salvará pessoas e segmentos da mediocridade. Sustentará a audácia que leva à construção da paz. Sem força interior impera a mediocridade, e esta compromete a paz.