Círio de Nazaré

Um modelo de fé

Acorre a Belém do Pará uma verdadeira torrente de pessoas, vindas de tantas partes de nosso Estado. Ajuntam-se a ela os paraenses residentes em outras regiões do país, um povo imenso, conduzido pelas mãos de Nossa Senhora de Nazaré, coberto pelo seu manto de amor. Nos andores e nos passos percorridos, nos pés calejados e feridos, em mãos que se unem ou mãos que se agarram à corda da Berlinda, existe um mistério a ser desvendado. De onde vem a força e o ardor de tanta gente? Como explicar estes rios mais caudalosos do que nossas muitas águas? Trata-se apenas de hábitos adquiridos, cultura entranhada em nossos corações e que se esparrama em nossos gestos? Seria fruto da propaganda feita pela Igreja ou outras forças da sociedade?

Os Bispos da América Latina e do Caribe reconheceram, na Grande Conferência de Aparecida, que as maiores riquezas de nossos povos são a fé no Deus de amor e a tradição católica na vida e na cultura. Manifesta-se na fé madura de muitos batizados e na piedade popular que expressa o amor a Cristo sofredor, o Deus da compaixão, do perdão e da reconciliação, o amor ao Senhor presente na Eucaristia, – o Deus próximo dos pobres e dos que sofrem, – a profunda devoção à Santíssima Virgem nos diversos nomes nacionais e locais. Expressa-se também na caridade que em todas as partes anima gestos, obras e caminhos de solidariedade para com os mais necessitados e desamparados. Está presente também na consciência da dignidade da pessoa, na sabedoria diante da vida, na paixão pela justiça, na esperança contra toda esperança e na alegria de viver que move o coração de nosso povo, ainda que em condições muito difíceis. As raízes católicas permanecem na arte, linguagem, tradições e estilo de vida do povo, ao mesmo tempo dramático e festivo e no enfrentamento da realidade. A Igreja tem a grande tarefa de proteger e alimentar a fé do povo de Deus. (Cf. Documento de Aparecida 7).

Bento XVI, falando aos Bispos, destacou a rica e profunda religiosidade popular, na qual aparece a alma dos povos latino-americanos, o precioso tesouro da Igreja católica na América Latina. Convidou a promovê-la e a protegê-la. Esta maneira de expressar a fé está presente de diversas formas em todos os setores sociais, numa multidão que merece nosso respeito e carinho, porque sua piedade reflete uma sede de Deus que somente os pobres e simples podem conhecer, expressão da fé católica, catolicismo popular, profundamente inculturado, que contém a dimensão mais valiosa da cultura latino-americana (Cf. Documento de Aparecida 258).

Não podemos reclamar! Deus nos concedeu o que existe de mais precioso, dando-nos a graça de viver a fé cristã católica e oferecê-la como sinal ao Brasil e ao Mundo. Mas o que fazer com os dons com que o Senhor nos prodigalizou? Cabe a nós que vimos outubro chegar novamente, acolher os presentes de Deus, cultivá-los e oferecê-los às novas gerações.

O tesouro aberto revela uma figura feminina. Maria de Nazaré, Mãe de Deus e nossa Mãe. Encontrá-la é descobri-la como modelo de fé. Nós desejamos acreditar em Jesus Cristo, seu Filho, com a mesma intensidade de sua resposta a Deus. A fé, em Nossa Senhora, é compromisso imediato, sem desculpas, no ato de liberdade mais digno que uma pessoa humana pode realizar: “Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 37). Esta fé foi provada e comprovada, no anúncio da dor, espada que transpassa a alma (Lc 2, 35), no esforço ingente para salvar o que pertence a Deus a qualquer custo, fugindo para o Egito (Mt 2, 13-15), e ainda buscando um filho adolescente que devia cuidar das coisas “do Pai” (Lc 2, 48-50). A Mãe se tornou discípula do Filho (Cf. Jo 2, 1-12) e chegou à plena maturidade aos pés da Cruz: “Junto à cruz de Jesus, estavam de pé sua mãe e a irmã de sua mãe, Maria de Cléofas, e Maria Madalena. Jesus, ao ver sua mãe e, ao lado dela, o discípulo que ele amava, disse à mãe: ‘Mulher, eis o teu filho!’ Depois disse ao discípulo: ‘Eis a tua mãe!’ A partir daquela hora, o discípulo a acolheu no que era seu” (Jo 19, 25-27). Após a Ressurreição, a Virgem Maria é o amparo da fé para os discípulos em oração, na expectativa do derramamento do Espírito Santo, para depois permanecer com a Igreja, Mãe, Modelo, Intercessora, acompanhando-a até a volta do Senhor, no fim dos tempos. Todo discípulo verdadeiro traz Maria consigo, como parte essencial de seu seguimento de Jesus Cristo. Este é o quilate daquela que acompanhamos pelas nossas ruas, através dos ícones que apontam para sua presença.

Esta fé é para ser vivida e testemunhada. Olhar para Nossa Senhora e reconhecer os passos dados por ela compromete todos os cristãos. Ninguém venha para o Círio como espectador. Turista não se sente bem! Só desfruta o Círio quem tem coração simples, quem aposta no que vê e descobre o que não vê. Aproveita melhor quem fez a peregrinação preparatória, ou quem acompanha as celebrações e pregações da quinzena do Círio. Melhor ainda será o resultado espiritual naquela pessoa que souber aproveitá-lo como tempo de conversão, especialmente através do Sacramento da Penitência e na participação na Eucaristia.

Quando os pais apontam para a “Santinha”, tão pequena e tão grande, encanta-me o olhar das crianças que aprendem o que é ser paraense, acolhendo Nossa Senhora de Nazaré. Quero ver muitos braços que ensinam crianças de colo a fazerem o sinal da Cruz. Desejo ouvir a Ave-Maria de lábios inocentes, para que a inocência se espalhe de novo entre os mais crescidos! Ressoe o “Lírio Mimoso”, na ingenuidade eloquente de seus versos, para que nossa ciência se transforme em sabedoria! Cantem “Dai-nos a bênção, ó Mãe de fé, Nossa Senhora de Nazaré” os jovens e adultos. Amarrem-se os corações e a vida nas cordas de amor com que Deus quer envolver-nos, todos os paraenses de nascimento, de adoção ou, melhor ainda, os que aqui descobriram a riqueza maior de nosso povo, a fé católica.

O Círio de Nazaré de 2013 seja o maior, o melhor, o mais perfeito, o mais frutuoso de todos. No próximo ano, vamos fazer mais ainda! Sim, porque haverá “mais gente no rio de gente” que queremos formar! Sim, teremos novas gerações de crianças sobre os ombros dos pais, olhando para Nossa Senhora de Nazaré. Sim, porque nossa Amazônia, cuja Rainha é Nossa Senhora de Nazaré, encontrou seu modo de ser missionária. Amazônia missionária é Amazônia de Nossa Senhora, Amazônia que sussurra “rogai por nós”, Amazônia que espalha a Boa Nova do Evangelho, Amazônia de fé calejada pela história e esperançosa no futuro que pertence a Deus e é dado de presente, porque é Círio outra vez.


Dom Alberto Taveira Corrêa

Dom Alberto Taveira foi Reitor do Seminário Provincial Coração Eucarístico de Jesus em Belo Horizonte. Na Arquidiocese de Belo Horizonte foi ainda vigário Episcopal para a Pastoral e Professor de Liturgia na PUC-MG. Em Brasília, assumiu a coordenação do Vicariato Sul da Arquidiocese, além das diversas atividades de Bispo Auxiliar, entre outras. No dia 30 de dezembro de 2009, foi nomeado Arcebispo da Arquidiocese de Belém – PA.