O Governo apresentou, no início das férias de final de ano, o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), com mais de 500 proposições e 73 páginas que, segundo muitos comentadores, agride diversos artigos da Constituição Brasileira e afronta diversos setores da sociedade civil. Assim, o leitor fica sem saber se esse decreto, que sai em ano eleitoral, deve ser recebido como o programa com o qual o Governo mostra, sem retoques, seu rosto aos eleitores ou se foi um equívoco do grupo que o redigiu, destinado a sair de circulação.
Os temas tratados são de grande interesse, mas os equívocos são muitos e perigosos. O PNDH foi preparado sem uma ampla consulta à sociedade. Esta seria a maneira de sinalizar amadurecimento e consolidação do método democrático, abrindo espaço para o diálogo na sociedade plural.
Os direitos humanos dos quais fala o PNDH se parecem mais com proposições de forte conotação ideológica, próprias de grupos minoritários, do que com os Direitos Humanos propriamente ditos.
A fonte última dos Direitos Humanos não se situa na mera vontade dos seres humanos, na realidade do Estado, nos poderes públicos, mas no próprio homem e em Deus seu criador. Tais direitos são universais, invioláveis e inalienáveis (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 153).
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada no dia 10 de dezembro de 1948 pela ONU, tinha por objetivo, como está dito no Preâmbulo, inibir a repetição de circunstâncias históricas que provocaram o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos que resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade.
Os direitos que constam na Declaração da ONU podem e devem ser aperfeiçoados, integrados e explicitados. Mas isso jamais pode ser feito apresentando outros direitos em contradição com os que já foram solenemente proclamados. É o caso, por exemplo, do direito à vida, formulado no artigo terceiro da Declaração da ONU que reza: Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
O PNDH quer descriminalizar o aborto, tornando-o legítimo e factível até o último dia da gestação. Isto contradiz frontalmente o espírito e a letra do artigo terceiro. Além disso, pretende fazer passar como direito universal à vontade de uma minoria, já que a maioria da população brasileira manifestou explicitamente sua vontade contrária. Fazer aprovar por decreto o que já foi rechaçado repetidas vezes por órgãos legítimos traz à tona métodos autoritários dos quais com muitos sacrifícios nos libertamos ao restabelecer a democracia no Brasil na década de 80.
Além do mais a abertura à vida está no centro do desenvolvimento afirma o Papa Bento- Quando uma sociedade começa a negar e a suprimir a vida, acaba por deixar de encontrar as motivações e as energias para trabalhar ao serviço do verdadeiro bem do homem (Caritas in Veritate, n. 28).
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, no seu artigo XVII reza: Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular. No entanto, o PNDH pretende banir do espaço público os símbolos religiosos. Creio que um referendum a respeito disso demonstraria a origem ideológica de uma opção que um pequeno grupo quer impor ao país inteiro, revelando sua postura autoritária. O amor à religião caracteriza a sensibilidade e a cultura do povo brasileiro. Fica difícil compreender como o Governo mais popular possa tomar decisões antipopulares.
O Brasil será condenado a continuar sendo o País do futuro? Nós podemos dar todos os passos para ingressar num patamar mais elevado de justiça e de democracia, de crescimento e de paz. Mas o PNDH traz muitos sinais que parecem alimentar o atraso, o conflito e o mal-estar na sociedade.
Cardeal Dom Geraldo Majella Agnelo
Arcebispo Primaz do Brasil
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