Para Santa Teresa D’Ávila, a porta que nos leva a nos encontrarmos com Deus e conosco chama-se oração. Somente rezando poderemos começar a conhecer a Deus plenamente e acessar verdadeiramente nossa própria essência, moldando-nos a Cristo, verdadeiro e único modelo para todo ser humano. Se, a partir de São Paulo (Cl 3,3), podemos formular a pergunta: como posso encontrar a minha vida que está escondida em Cristo? Com Santa Teresa encontramos a resposta: através da oração! (Livro da Vida, 8,9).
Como já vimos nesta série de artigos, Santa Teresa usa a imagem do jardim e sua intrínseca necessidade de água para explicar o modo como nossa oração precisa se aperfeiçoar e alcançar cada vez maior intimidade com Deus. Isso deve evoluir até o ponto de sermos como a cera quente, que se permite imprimir pelo selo divino (Castelo Interior, 5M, 2,12) onde a alma passa a ser perfeitamente dócil à sua nova forma, sendo “cristificada” progressivamente.
Santa Teresa D’Ávila nos ensina a contemplar o “Pai Nosso”
O início desta jornada é a oração vocal, que examinamos no artigo anterior, mas já unida com o segundo modo de oração, a oração mental. Enquanto a oração vocal é utilizar palavras para rezar, a oração mental é pensar em Deus, meditar sobre tudo que se refere a Ele. A doutora da Igreja é veemente em dizer que não acredita que a oração vocal, sem a oração mental possa ser considerada verdadeira oração (Castelo Interior, 1M, 1,7) e já examinamos a veracidade desta consideração neste artigo sobre a distração na oração.
Esse primeiro modo de regar o jardim fechado da alma, usando as orações tradicionais, litúrgicas ou não, de fontes bíblicas (como os Salmos) ou produzidas pelos santos, foi comparado por ela com “o tirar a água de um poço”. A consideração ou meditação sobre o que se está rezando, mantendo a perfeita atenção enquanto se reza, equivale ao duro trabalho de jogar um balde num poço profundo e trazer a água para alimentar o jardim do espírito. Mas, como fazer isso na prática? Ela o demonstra com a oração dominical ou Pai-Nosso, também conhecida como a oração do Senhor, pois foi o próprio Jesus Cristo quem a ensinou aos apóstolos.
Pai-Nosso, uma oração do Senhor
Quem, portanto, quer rezar procurando a santificação pessoal que a própria intimidade com Deus provoca através da oração, precisa ter atenção às palavras e aos seus sentidos. Santa Teresa, ao se referir ao Pai-Nosso, ensina-nos a, em primeiro lugar, considerar que Pai é esse e quem é esse Filho que se coloca ao nosso lado para rezar (Caminho de Perfeição, 24,1). Depois, percorre-a ponto por ponto, a partir do capítulo 27 do seu livro Caminho de Perfeição (CP):
“Pai nosso que estais nos céus”: o filho não só se coloca a nosso lado para rezar ao Pai, mas nos dá sua própria filiação! Somos um com Ele e, portanto, temos um mesmo Pai. Esse Pai não está em qualquer lugar, mas “nos céus”. Devemos nos elevar a Ele, saindo destas preocupações terrenas. Também devemos entender que onde se encontra Deus, ali está o céu e, por isso, Deus está “nos céus”, ou seja, onde existe uma alma em estado de graça, Deus ali está presente. Deve a alma, então, falar com humildade perante tão grande Pai, mas com extrema alegria por estar tão próximo e se fazer tão acessível.
“Santificado seja o vosso nome, venha a nós o vosso reino”: é um pedido para que a glória de Deus, presente na eternidade, também irradie sobre nós, trazendo santidade e vida. Afinal, aqueles que O amam, não conseguem se ocupar de outra coisa senão amá-Lo completamente, santificando-se e santificando o Seu nome. Sendo atraídos e atraindo-O para que traga a santidade de seu reino espiritual também ao mundo terreno ou material em que vivemos. Com o reconhecimento da santidade de Deus e que Ele pode dar-nos o seu reino de Amor, é possível dizer:
“Seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu”: Santa Teresa explica que “feita da terra um céu, será possível fazer-se em mim a vossa vontade. Mas sem isto, e em terra tão ruim como a minha, e tão sem fruto, eu não sei, Senhor, como seria possível” (CP, 32,2). Ela também reflete que a vontade do Senhor não se faz logo em nossa vida, pois antes precisamos criar o Seu reino em nós, para que a nossa “terra” se transforme num céu onde Deus possa ser glorificado executando sua vontade sem impedimentos. Não deixa de alertar também que, quer queiramos ou não, a vontade de Deus irá se cumprir tanto no céu quanto na terra, isso é inevitável. Que possamos, então, transformar o que não se pode evitar em desejo nosso e ganharmos assim méritos para a vida eterna.
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“O pão nosso de cada dia nos dai hoje”: ela reflete sobre a duplicidade das palavras “nosso” e “nos dai” pois, afinal, se já é nosso, por que pedimos que seja nos dado? Para Santa Teresa, esse “pão” celeste se tornou nosso com o sacrifício de Jesus Cristo em sua paixão e morte na cruz. Mas, precisamos diariamente pedi-lo para tomar posse dessa graça e permanecer nela até que chegue o fim de nossos dias ou, segundo ela mesma: “O dizer ‘hoje’, parece-me que é para um dia, que é enquanto durar o mundo, não mais” (CP 34,2). Bem como em,
“Perdoai-nos as nossas ofensas assim como perdoamos a quem nos tem ofendido”: ela ressalta que não se trata de uma promessa futura, “perdoaremos”, mas que, quem já colocou sua vontade em Deus e pediu para que seja cumprida no céu e na terra (ao menos se determinando a isso) precisa ser capaz de perdoar. Afinal, Jesus poderia ter colocado qualquer condição para que recebêssemos o perdão de Deus: “perdoai-nos Senhor, porque fazemos muita penitência, ou porque rezamos muito e jejuamos, e temos deixado tudo por Vós, e vos amamos muito (…) [mas] disse somente: porque perdoamos” (CP 36,7). É, portanto, consciente e determinada esta condição para o perdão que o Senhor nos coloca: seremos perdoados, desde que antes tenhamos dado também o perdão. Claro que, embora dar nossa vontade a Deus e perdoar nossos semelhantes seja obrigação de todos nós, a doutora da Igreja lembra suas irmãs do carmelo e a nós também que existe maior e menor capacidade de realizar essas duas coisas. Os adiantados na vida espiritual ou perfeitos, darão a vontade e perdoarão com perfeição, nós faremos o que pudermos e procuraremos sempre melhorar nestas duas determinações: entregando sempre mais e mais nossa vontade a Deus; perdoando cada vez mais prontamente e com melhor disposição os erros que nossos irmãos cometem contra nós (CP 37,3). Por fim, pedimos:
“E não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal”! Santa Teresa de Jesus alerta para que prestemos atenção neste pedido: não se pede que o Senhor nos livre dos muitos trabalhos, nem mesmo das tentações, das perseguições ou da luta, seja ela espiritual ou com as forças deste mundo. “Os soldados de Cristo, que são os que têm contemplação e tratam de oração, não veem a hora de lutar; nunca temem muitos inimigos públicos (…) nunca lhes viram o rosto. Os que temem, e é correto que se temam e sempre peçam ao Senhor que os livre deles, são uns inimigos traidores, demônios que se transfiguram em anjos de luz” (CP 38,2). Por isso, a súplica é que não sejamos enganados, que sempre possamos ver onde está a luz e a verdade, não caindo nas tentações. Uma das mais graves, segundo a santa, é quando acreditamos que temos virtudes que na realidade não temos, principalmente a humildade: “Mas torno a vos avisar que, ainda que vos pareça que a tendes [a virtude da humildade], temei que vos enganais. Porque o verdadeiro humilde sempre anda duvidoso em virtudes próprias, e muito ordinariamente lhe parecem mais certas e de mais valor as que vê em seu próximo” (CP 38,9).
Aproxime-se do Senhor
O objetivo de apresentar este exemplo concreto é para que possamos entender o que é este “tirar a água do poço” para alimentar a alma através da oração de que nos fala Santa Teresa de Jesus. Um trabalho árduo sim, mas extremamente proveitoso em prol da nossa santificação pessoal! Que possamos não só repetir as palavras de cada oração, mas que tenhamos a graça do Senhor para entender o que pedimos e desejamos! Ele, certamente, nos proporcionará cada vez mais luzes para aprofundar-nos no Seu próprio mistério.
No próximo artigo, veremos como a oração pode trazer mais frutos, com menos dificuldades, no segundo modo de regar o jardim, que é nossa alma, para que ele possa produzir os frutos das virtudes em nós.