Nestes artigos sobre a oração, temos investigado os princípios básicos que regem o ato de rezar, o que significa este ato e por que fazê-lo. Também o que não pode faltar e o que é recomendado ou não no momento de rezar. Neste penúltimo artigo da série, refletiremos sobre como cumprir um conselho evangélico e mandamento apostólico: orar continuamente.
Afinal, no Evangelho de Lucas, Jesus conta uma parábola para ensinar como é necessário rezar sempre, sem nunca desistir (Lc 18,1-7). Na carta aos Tessalonicenses, São Paulo é bem mais direto: “Orai sem cessar” (1Ts 5,17). Mas será possível fazer isso? Sim e não.
Como posso orar sem cessar?
Considerando concretamente a oração em si mesma, aquele momento em que paramos tudo para falar e ouvir o Senhor de todas as coisas, não é possível rezar sem cessar. Afinal, temos outras ocupações que também são boas e santas, como prover as necessidades da família, ocupar-se dos filhos, contribuir para a edificação de nossos irmãos e da sociedade. Santo Tomás de Aquino explica que “A medida de cada coisa deve ser proporcional à sua finalidade, como a medida do remédio deve ser de acordo com a saúde. Por isso, é necessário que a oração perdure somente enquanto serve para excitar o desejo do fervor interior. Mas se esta medida for ultrapassada, de modo que a oração não possa durar sem gerar tédio, ela não deve ser prolongada”.
Ou seja, como vimos no artigo anterior, a oração mecânica, distraída, apesar de ter um mérito inicial (quando ainda nem era mecânica e distraída), não conserva sua principal qualidade que é nos santificar, colocar-nos em comunhão com o Senhor e nos fornecer uma “refeição espiritual”, e por isso não é útil nem proveitoso que ela dure por muito tempo, seja ele qual for. Somente a oração atenta, com a mente elevada a Deus e em união com Ele deve ser praticada por mais tempo, mas, mesmo assim, impossível ser levada o tempo todo.
Santo Agostinho explica como conciliar uma oração fervorosa e atenta com a nossa dificuldade em nos mantermos em oração por longos períodos: “Dizem que os monges do Egito oravam muito, mas com orações breves e lançadas ao céu como dardos, para que tensa e vigilante, muito necessária para quem ora, a atenção não se dissipasse nem enfraquecesse pelo tempo prolongado. Assim agindo, mostravam que essa atenção assim como não deve ser prolongada com dificuldade, assim também não deve ser interrompida, se permanecer”.
Concilie seus afazeres e a oração
Impressionante, não é? Aqui, fica claro que a duração da oração é um detalhe ou consequência de outra atitude fundamental: qual o nível de entrega e de união com Deus que eu tenho ao rezar? Se não vale a pena prolongar uma oração vazia, também não é recomendável abandonar a oração sem uma causa justa, se esta for viva e frutífera. E para não restarem dúvidas: entrar no emprego no horário, alimentar os filhos, ser presente na vida do(a) esposo(a) são causas justíssimas e precisam ser equalizadas com nossa vida de oração.
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No entanto, parece que um problema se estabeleceu: então o ensinamento de Jesus, reforçado por São Paulo, não é exato? Não podemos “orar sem cessar”? A resposta é que, se não considerarmos somente o ato imediato e concreto da oração, não só é possível como é altamente necessário que rezemos continuamente. E não se trata de um jogo de palavras.
O que causa a oração?
A oração, quando considerada em sua causa e finalidade, precisa ser contínua e ininterrupta, tornando realidade até mesmo a palavra que diz: “Eu durmo, mas meu coração vigia” (Ct 5,2). Afinal, o que causa a oração? A virtude teologal da caridade ou o amor a Deus! É por amá-Lo, por querer Sua companhia, por desejar ser um só coração com Ele e ouvir a Sua vontade que nos colocamos em oração. A caridade é também o fim ou finalidade da oração e, repito para ficar bem claro: é para amá-Lo ainda mais, para estar cada vez mais próximo d’Ele, desejar fazer de Sua vontade a nossa vontade, que nos dedicamos à oração.
Esse desejo de Deus, que é causa e finalidade da oração, precisa ser ininterrupto! “Meu coração se lembra de ti: ‘Buscai minha face’. Tua face, Senhor, eu busco” (Sl 27,8). A força motora desse desejo precisa estar viva em tudo que fazemos e, assim, fazermos todas as coisas e cada uma delas para a Glória de Deus e a realização do seu reino em nós e no mundo (1Cor 10,31). Ou, como diz Santo Agostinho: “Por um desejo permanente oramos sempre na fé, na esperança e na caridade”.
Com esse desejo imenso de Deus, a oração nos ajudará sempre a excitá-lo cada vez mais e, por isso, “Rezamos em certas horas e momentos a Deus incluso com palavras, para que continuemos atentos por estes sinais sensíveis, e verifiquemos o nosso progresso neste desejo santo e nos excitemos mais fortemente a isso fazer” (Santo Agostinho).
Baseado nisso, Santo Tomás nos ensina que sim, é possível orar sem cessar! Oramos sem cessar quando mantemos diuturnamente o desejo vivo e prolongado de estar com Deus, mesmo em outras ocupações necessárias. E também, após terminar uma oração bem feita, podemos dizer que continuamos rezando ininterruptamente, pois cresce em nós a devoção, o desejo e a pertença a Deus.
No próximo e último artigo da série sobre a oração, procuraremos entender se Deus escuta e acolhe a oração do pecador. Afinal, unir-se a Deus e permanecer no pecado, é possível?