O homem não vive sem água, seja para se alimentar ou para se purificar. Mas ela é também uma força agressiva na natureza quando ameaça o homem na travessia dos mares ou nas tempestades. Diante dessa experiência, como a Bíblia se coloca? Como a Bíblia considera a água? Qual mensagem a Bíblia nos transmite a partir da realidade ao mesmo tempo benéfica e ameaçadora da água?
Segundo a Bíblia, toda a criação do mundo começou com as águas: “A terra estava sem forma e vazia; as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus se movia sobre a superfície das águas” (Gênesis 1,2). E era através da distribuição das águas que o israelita via a ação benéfica e justiceira de Deus. Toda a sua vida dependia da queda das chuvas; por isso associava sua esperança à intervenção divina nas chuvas, como por exemplo se expressava no Salmo 104: “Minha alma bendizei a Javé. Javé, meu Deus, como sois grande! (…). Fazeis brotar fontes nos vales e escorrem entre os montes; dão de beber a todos os animais do campo (…). De vossos aposentos irrigais os montes, com o fruto de vossas obras saciais a terra” (Salmo 104,1.10.11.13).
Por outro lado, as águas expressavam o supremo castigo de Deus, manifestado no dilúvio, por causa do pecado dos homens (Gênesis 6). Na história salvífica do povo, Javé teve que lutar contra o mar, símbolo dos poderes rebeldes: é a passagem do Mar Vermelho (Êxodo 14,16 ss).
O que mais a Bíblia considera sobre a água?
Mas as águas também tinham um caráter curativo e medicinal, nas condições de falta de higiene daquela época. Por exemplo, o sumo sacerdote devia lavar-se com água antes de receber sua investidura (Êxodo 29,4); ou quem tinha sido curado da lepra devia lavar-se com água (Levítico 14,8s). Os profetas estenderam esse simbolismo à suprema purificação através da qual Deus restabeleceria seu povo: “Eu vos aspergirei com uma água pura e sereis purificados” (Ezequiel 36,25).
O perdão pessoal dos pecados também ficava ligado à ação purificadora da água. Nesse sentido, Davi, arrependido dos seus pecados, rezava: “Lavai-me de toda a minha culpa, e purificai-me de meu pecado” (Salmo 51,4). E na sua mensagem escatológica, quer dizer, a do futuro, quando Deus manifestará de maneira plena a sua salvação, à água também caberá uma importância definitiva. Jerusalém, a nova cidade de Deus, possuirá uma fonte inesgotável de água e levará a fecundidade a todos os seus arredores.
A água do Templo é o poder vivificador de Deus que caracteriza os tempos messiânicos e faz frutificar espiritualmente os homens: “Conduziu-me à entrada do templo e vi que brotava água por debaixo do limiar do templo para o oriente” (Ezequiel 47,1). E este capítulo de Ezequiel mostra o simbolismo da água que sai do Templo, faz nascer o rio de água viva e produz “todo tipo de árvore frutífera; (…) cada mês darão frutos novos, porque suas águas brotam do santuário” (37,12).
No Antigo Testamento, a água já era símbolo do Espírito, como o seria no Novo Testamento. Era a força geradora de Deus que transforma o mundo, como lemos em Isaías: “Assim fala Javé: ‘Eu vou derramar água sobre a terra sedenta e riachos sobre o solo ressecado; derramarei Meu Espírito sobre tua posteridade e Minha bênção sobre Teus descendentes. Crescerão como erva junto à fonte, como salgueiros à beira d’água’” (44,2-4).
Batismo
Todos esses símbolos do Antigo Testamento convergem no símbolo do batismo que inaugura a vida pública de Cristo e de seus seguidores. O Batismo para quem acredita em Cristo é o abandono da velha vida da escravidão e uma nova plenitude da água nova do Espírito. De fato, “Cristo amou a Igreja e entregou-se por ela, a fim de santificá-la, purificando-a mediante o batismo da água” (Efésios 5,25-26).
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Ainda mais fundamentalmente, o Novo Testamento nos apresenta Cristo como o novo templo ou a nova rocha, da qual brota a água viva e espiritual que é o Espírito de Deus: “Se alguém tem sede, venha a mim e beba! Aquele que crê em mim, como diz a Escritura, ‘de seu seio sairão rios de água viva’. Disse isto referindo-se ao Espírito que haviam de receber os que acreditassem nele” (João 7,37-39). E de seu corpo morto, novo templo de Deus, também brota a água do Espírito para a nova criação, o novo povo de Deus que é a Igreja. Este é o sentido profundo “do sangue e da água”, que saíram do Corpo de Cristo transpassado pela lança do soldado (João 19,33-34).
Diante disso, podemos dirigir a Cristo, juntamente com a Samaritana, essa invocação: “Senhor, dá-me dessa água!” (João 4,15).