Nas fontes batismais, cultivamos a vida interior que norteia nossas escolhas no cotidiano
A Páscoa é celebrada durante as semanas que se seguem ao dia da Ressurreição do Senhor, nas quais procuramos conhecer mais os sacramentos, as orações e a própria vida da Igreja. Trata-se de um tesouro inesgotável, do qual desejamos continuamente haurir a seiva que sustenta a presença cristã no mundo. A fonte é sempre o Senhor Jesus Cristo, Cabeça do Corpo que é a Igreja, com Sua graça comunicada a todos os cristãos. Nele fomos enxertados pelo batismo, nele desejamos permanecer e produzir frutos (Cf. Jo 15, 1-8). A vida cristã é uma divina aventura, conduzida pela graça de Deus, a fim de que nós manifestemos visivelmente a obra que o Senhor realiza em nossas almas, fazendo a nossa parte na construção do Reino de Deus. Sim, a cada cristão, renascido nas fontes batismais, cabe a tarefa de desenvolver a vida divina que lhe foi concedida.
Foto: Daniel Mafra/cancaonova.com
Começa por dentro, no cultivo daquilo que chamamos vida interior, por meio do cuidado com a semente de vida plantada por Deus em nosso coração. Vale uma pergunta a respeito das ocasiões em que nos encontramos sozinhos, olhando no espelho da própria consciência, para verificar se estamos cuidando com carinho do que Deus mesmo plantou em nós. Como é a nossa oração pessoal? Como utilizamos o tempo livre? Para que exista coerência em nossa existência, há que se cuidar do lado de dentro, a ser continuamente examinado, com o que a Igreja chama de exame de consciência, feito no confronto o que Deus pensa para nós. É fácil perguntar o que penso sobre minha vida, até porque podemos ser juízes tendenciosos em causa própria. Muito mais exigente e libertador é deixar que a luz de Deus ilumine o recôndito de nossa alma. De fato, a Escritura ensina: “Feliz o homem a quem Deus corrige! Não rejeites, pois, a repreensão do Poderoso, porque ele fere, mas trata da ferida; golpeia, mas suas próprias mãos curam” (Jó 5, 17-18).
O cuidado com a vida interior pode contar com duas fontes preciosas, que se completam maravilhosamente. Trata-se da Palavra de Deus, lida, ouvida e praticada, e mais a vida de oração. Como estamos tratando de cristãos desejosos de aprofundar sua vivência pessoal da fé, vale para todos a insistência em rezar mais e rezar melhor. É escolher mesmo um tempo para rezar. A sabedoria da Igreja nos indica as orações da manhã e da noite, a leitura orante da Palavra de Deus, a participação na Eucaristia como ponto alto da semana, além do Rosário e as devoções pessoais, cultivadas com carinho. E a história dos santos nos legou pequenas flechas, dardos de amor dirigidos ao Senhor, chamados “jaculatórias”, começando da invocação do nome de Jesus.
Quantos “peregrinos” aprenderam a dizer “Senhor Jesus Cristo, Filho do Deus vivo, tem piedade de mim, que sou pecador”, invocação repetida inúmeras vezes durante o dia, a chamada “Oração de Jesus”. Impressionante é a força libertadora da memória que se enche de coisas boas, das quais a melhor é o cultivo da amizade com Deus. O que importa é nortear o programa de vida com escolhas claras, priorizando o que passa na frente, que é seguir a Jesus Cristo.
Toda planta frutífera vem a ser podada de tempo em tempo. Daí vem a magnífica afirmação do Senhor: “Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que não dá fruto em mim, ele corta; e todo ramo que dá fruto, ele limpa, para que dê mais fruto ainda” (Jo 15, 1-2). Como acontece com a parreira de uva, também nossa vida cristã precisa ser podada e purificada. “Nossos pais humanos nos corrigiam, como melhor lhes parecia, por um tempo passageiro; Deus, porém, nos corrige em vista do nosso bem, a fim de partilharmos a sua própria santidade. Na realidade, na hora em que é feita, nenhuma correção parece alegrar, mas causa dor. Depois, porém, produz um fruto de paz e de justiça para aqueles que nela foram exercitados” (Hb 12, 10-11). Certamente não é fácil suportar os golpes de cinzel do divino escultor, que quer esculpir em nós uma obra de arte. Algumas podas permitidas pelo Senhor, como o sofrimento, o cansaço, as tribulações, a perseguição ou as crises pessoais não nos façam perder a esperança.
E chega a nossa vida o tempo dos frutos (Mt 7, 17-12): “Pelos seus frutos os conhecereis”. Nossa união com o tronco, de onde recebemos a seiva da graça, manifesta-se na caridade vivida, na atenção ao próximo, nos gestos e palavras correspondentes à fé professada. Não cabem na vida do cristão a insensibilidade diante do sofrimento nem a desatenção com aquilo que ocorre ao nosso redor. Nos dias que correm dos desastres naturais noticiados, como o terrível terremoto no Nepal, passando pelos vulcões e outros fenômenos, chegamos aos problemas criados pelos homens e mulheres de nossa geração. Há poucos dias, os bispos do Brasil, reunidos em sua 53ª Assembleia Geral, alertaram nosso povo para algumas das muitas mazelas que pedem o testemunho corajoso dos cristãos: “A corrupção, praga da sociedade e pecado grave que brada aos céus (Cf. Papa Francisco – O Rosto da Misericórdia, n. 19), está presente tanto em órgãos públicos quanto em instituições da sociedade.
Combatê-la, de modo eficaz, com a consequente punição de corrompidos e corruptores, é dever do Estado. É imperativo recuperar uma cultura que prima pelos valores da honestidade e da retidão. Só assim se restaurará a justiça e se plantará, novamente, no coração do povo, a esperança de novos tempos, calcados na ética. A credibilidade política, perdida por causa da corrupção e da prática interesseira com que grande parte dos políticos exerce seu mandato, não pode ser recuperada ao preço da aprovação de leis que retiram direitos dos mais vulneráveis”.
Nosso relacionamento com a família, o ambiente de trabalho e todos os níveis de contato com as pessoas e a sociedade devem transformar-se a partir de dentro do coração humano, para gerar uma nova cultura, aquela que o Papa Francisco chama de “cultura do encontro”. O Papa se relaciona com os outros como pessoa que encontra pessoas e que coloca profundamente em jogo a sua vida e busca que seu interlocutor coloque em jogo a si mesmo. É uma metodologia muito pessoal e envolvente, manifesta seu carisma, sua capacidade de ir ao coração do outro e convidá-lo a dar passos, a colocar-se em caminho pelo bem da humanidade. No grande vinhedo do mundo, há alguém que sabe vir de dentro do coração de Deus para que a cultura do Evangelho se espalhe!