Pratique a caridade

Virtudes teologais: a virtude da caridade nos faz habitação de Deus

A  importâncias das virtudes que Deus nos oferece na sua graça

Neste último artigo desta série “Virtudes Teologais”, procuraremos ver em conjunto o que vimos em partes e, assim, entender que o que “vemos” é muito mais que um aglomerado de “engenharia” e “mecânica”.

Para entendermos algo complexo, precisamos sempre de duas abordagens: uma que se origina e explica cada parte, e outra que dá a visão do todo e ultrapassa a anterior. Ninguém nunca entenderá um automóvel se somente aprender detalhadamente cada parte e sistema de um carro e não tiver uma visão do todo. De modo inverso, um veículo andando na rua, para quem não tem a mínima ideia de como sua engenharia e mecânica funcionam, é, e permanecerá sendo, um profundo mistério.

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Foto Ilustrativa: Wesley Almeida/cancaonova.com

As virtudes

Vimos que as virtudes que o homem adquire por seu próprio esforço e treino são inferiores às que Deus infunde por meio da Sua graça. E, ainda assim, por mais brilhantes que sejam as virtudes morais e intelectuais infusas como a castidade, a paciência, a temperança, a benevolência e tantas outras, elas são muito inferiores às virtudes teologais que também são infundidas com a mesma graça que Deus nos dá gratuitamente.

Também vimos que, mesmo entre as virtudes teologais, existe uma ordem e primazia, e que a virtude da caridade (ou amor a Deus) é a última a se desenvolver, mas a principal de todas. Ela é tão superior à fé e à esperança, que será a única a permanecer.

Virtude da caridade

Essa superioridade da caridade também se manifesta quando, a partir dela, as virtudes da fé e da esperança são informadas, ganhando nova forma e eficácia. Podemos dizer que esse amor de Deus, infundido no ser humano, acolhido e estimulado pela persistência na vida de graça, transforma-se numa grande corrente de amor mútuo entre Deus e o homem. Amor tão grande que se derrama no resto da humanidade, não mais apenas outras pessoas, mas irmãos e presença real de Deus também.

A partir daí, é fácil observar que esse amor crescido e maduro só pode ser a atuação do próprio Deus na vida de cada um. São Tomás de Aquino explica que essa é uma missão do Espírito Santo. Em razão da mudança da criatura (o homem que se abriu à sua ação), Deus começa a existir nele de um modo novo. Assim, o próprio Espírito Santo é dado e enviado, habitando no homem através da graça santificante (ST-I-Q43A3). Ou, corretamente dizendo, o dom da caridade assimila a alma ao Espírito Santo (Q43A5).

Além de possibilitar a inabitação de Deus em nós, essa vivência plena da virtude da caridade provoca efeitos interiores e exteriores. Ela inspira e comanda toda a vida espiritual do cristão superabundando em novas disposições da alma e frutos interiores. Interiormente, a caridade nos traz alegria, paz e misericórdia.

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Dons espirituais

Em primeiro lugar, essa presença de Deus traduzida por um intenso amor, uma certeza absoluta da posse dos dons espirituais prometidos, causa imensa alegria. Essa alegria só será plena e completa na presença de Deus na eternidade, mas já aqui pode ser imensamente grande à medida que o homem é absorvido na própria alegria de Deus (Mt 25,21).

Depois, é fruto da caridade, a paz. Essa é a verdadeira paz de que trata Jesus Cristo aos apóstolos (Jo 14,27), não aquela que pode ser melhor definida como concórdia ou ausência de guerra. Essa paz interior é a harmonização de todos os atos interiores, promovida pela caridade. Semelhantemente à saúde, que só pode ser definida negativamente como a ausência de doenças, a paz é a união de toda a vida interior da pessoa, mesmo frente a agressões externas e tensões internas. Santo Agostinho define essa paz como “a tranquilidade da ordem”. Essa ordem estabelecida acontece no ser humano por meio da virtude da caridade, pois o homem ama a Deus de todo o coração, referindo todas as coisas a Ele, e ao próximo como a si mesmo, querendo a realização da vontade deste como a sua própria.

Virtude da misericórdia

Também é fruto da caridade a virtude da misericórdia. Santo Agostinho, na sua obra “A Cidade de Deus”, a define como “a compaixão que o nosso coração experimenta pela miséria alheia, que nos leva a socorrê-la se pudermos.” Essa compaixão pela miséria alheia pode ser causada pelo amor, e este é o caminho próprio estabelecido pela virtude da caridade. Mas também pode ser causado pelo medo de se sofrer males iguais. Esse último sentido explica por que existe também a misericórdia sem a virtude da caridade.

Segundo São Tomás de Aquino temos, finalmente, a união das duas maiores virtudes: para o homem, a virtude da caridade que o une a Deus é a maior de todas as virtudes. Mas entre todas as virtudes relativas ao próximo, a mais excelente é a misericórdia, pois possui o ato de suprir as deficiências dos outros (ST-II-IIQ30A4).

Como a virtude da misericórdia é um fruto da virtude da caridade e, ao mesmo tempo, seu ato exterior mais evidente, fica clara a razão da confusão atual que relaciona a palavra “caridade” com a ajuda ao próximo e não o amor à Deus, sua verdadeira atribuição.

Aqui terminamos essa pequena série de artigos sobre as virtudes teologais. Que o desejo de recebê-las em plenitude e exercitá-las continuamente sob a graça de Deus frutifique no seu coração e o faça pleno de santidade. Afinal, “De que vale ao homem ganhar o mundo inteiro, se vem a perder a sua alma?” (Mt 16, 26).