A presença dos dons do Espírito Santo na nossa vida de conversão e santidade
Nesse percurso do Caminho Espiritual ou Moradas que estamos percorrendo, além de ver que Deus nos chama à santidade (Mt 5,48), refletimos como Ele mesmo investe na nossa santificação. A iniciativa parte de Deus, e é Ele quem fornece os meios para sermos santos, mas nada se realiza sem a colaboração ativa e consciente do ser humano. Santo Agostinho sintetizou isso ao dizer que “Deus que te criou sem ti, não te salvará sem ti”. Não porque Ele não tenha poder para realizar a salvação sem a ajuda humana, mas porque isso violaria o princípio de liberdade dado ao homem de aceitar ou não a voz d’Ele. Também porque, sem esforço não existe mérito, e sem mérito não pode haver prêmio.
Justamente porque a colaboração ativa para a santificação pessoal requer esforço e conversão constantes, foram dedicados os sete primeiros artigos desta série, para explicar qual a parte da criatura nessa via de santificação. Nos últimos dois artigos, examinou-se como, ainda nas Primeiras Moradas, Deus investe na nossa santificação por meio dos sacramentos e das virtudes infusas. Agora, veremos como os dons do Espírito Santo são dados para promover o avanço na vida espiritual.
Os dons do Espírito Santo que atuam nas primeiras moradas
Na prática, embora recebidos juntos, os dons do Espírito Santo se desenvolvem, sequencialmente, um após o outro. Nas primeiras moradas, deve-se alimentar e desenvolver os cinco primeiros dons: dom de temor, dom de ciência, dom de piedade, dom de fortaleza e dom de conselho. O dom do entendimento será desenvolvido nas segundas e terceiras moradas; e o dom de sabedoria, a partir das quartas moradas. Estes serão explicados (e vividos) nos seus respectivos lugares.
Aqueles que têm uma vivência carismática da fé precisam ter clareza de que não se trata aqui dos dons carismáticos do Espírito Santo ou “graça gratuita”, como se refere a eles Santo Tomás de Aquino. Os dons carismáticos (graça gratuita) estão a serviço da Igreja e de sua construção, não da santificação pessoal, como a graça santificante (ST I-IIQ111A01). Aqui, devido ao próprio escopo dos artigos, tratamos dos sete dons do Espírito Santo, os dons da graça santificante que tem por objetivo santificar os homens e mulheres.
Esses dons foram descritos, em Isaías, como aqueles que fariam do Messias, o Cristo prometido, salvador de todos (Is 11,2-3). A Igreja, ao entender que o chamado de todo cristão é santificar-se sendo outro Cristo, recorda-nos de que precisamos ser animados pelos mesmos dons. Numa linha cronológica, foi Santo Agostinho quem primeiro lançou uma luz sobre o que seriam e como atuariam esses dons na santificação do cristão, relacionando cada um deles às Bem-Aventuranças (Mt 5,3-12). São Gregório de Nisa, em outra analogia, chamava-os de “escada de Jacó”, em referência à passagem do sonho que Jacó teve sobre os anjos subindo aos céus (Gn 28,12).
Assim, se é o Espírito de Cristo (dons) que deve nos santificar, o caminho para se desenvolver esses dons é, segundo o próprio Cristo, a aquisição das bem-aventuranças. Seguiremos esse caminho aqui no nosso percurso espiritual.
O dom de temor e a felicidade dos pobres de espírito
O primeiro dom do Espírito Santo a ganhar força e se desenvolver para nossa santificação é o dom do temor. Por isso, a Bíblia, em duas passagens (Pr 9,10 e Sl 110,10), coloca-o como o início da caminhada que leva à sabedoria. Esse dom lembra que Deus é Todo-poderoso e nos faz buscar a conversão, sob o risco de a própria salvação não se concretizar. Ele está relacionado à pobreza de espírito, pois o dom explicita a nossa insignificância e a necessidade de buscar Deus, buscar o espiritual. Também revela que se deve acabar com toda idolatria material e afetiva, pois somente sendo “pobres” nessas coisas abre-se um verdadeiro espaço para Deus operar. Esse dom ajuda a trabalhar a concupiscível e a desenvolver a virtude da temperança.
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O dom de ciência e a felicidade dos que choram
Acolhendo e vivendo o primeiro dom, o segundo a se manifestar é o dom de ciência. Ao contrário do que parece, a “ciência” aqui não é o conhecimento científico, mas o verdadeiro conhecimento de si mesmo e do mundo. Deus age por meio desse dom, revelando como se perdeu tempo, força e dedicação, correndo atrás de bens materiais, glórias e honrarias humanas. Quando o Espírito recorda, por meio do dom de ciência, que se dedicou por anos em coisas que passam e não passam, e que o eterno ficou esquecido ou em segundo plano, a alma chora. Aqui se encontra a esposa do Cântico dos Cânticos quando diz “puseram-me a guardar as vinhas, mas não guardei a minha própria vinha” (Ct 1,6). E é sob a inspiração do dom de ciência que também foi construído todo o livro do Eclesiastes onde se sintetiza: “vaidade das vaidades, tudo é vaidade” (Ecl 1,2). Com esse dom, percebe-se como o mundo nos engana constantemente. Chora-se o tempo perdido, a falta do conhecimento e da dedicação ao caminho espiritual. Mas “felizes os que choram, pois serão consolados”. Os que choram seus pecados e sua vida desperdiçada de modo sincero serão consolados pelo próximo dom: a piedade.
O dom de piedade e a felicidade dos mansos
Por meio do dom de piedade, o Espírito Santo começa a construir um verdadeiro e terno amor a Deus. Se o dom do temor faz ter um temor de servo, o dom de piedade dá um respeito de filhos. Já não se obedece mais os mandamentos por medo da punição e do inferno, mas porque são ferramentas construídas para o nosso bem e cuidado. De regras a serem obedecidas, compreende-se que, na verdade, são como orientações de um pai amoroso para se chegar à felicidade plena. Nas bem-aventuranças, o dom de piedade está relacionado aos mansos, pois as paixões começam a ser dominadas, a paz interior da habitação de Deus começa a ser conquistada e a grande virtude da paciência vai finalmente se manifestando. Vencendo o ódio e a soberba, possui-se a terra, ou seja, o domínio sobre nossa parte mais carnal e os sentidos.
O dom de fortaleza, a fome e sede de justiça
A “justiça”, na Bíblia, é sempre um outro nome para “santidade”. Aqueles que têm fome e sede de justiça têm, em primeiro lugar, um desejo intenso de santidade. Serão saciados segundo as bem-aventuranças, pois Deus concede aos que se tornaram dóceis ou possuidores do dom de piedade, o dom de fortaleza para continuar a caminhada com decisão. De fato, um dos principais problemas daqueles que tentam levar a vida espiritual a sério é a falta de constância e perseverança. O dom de fortaleza concede a força necessária para não se desistir nem esmorecer. Ele também promove o domínio sobre o irascível e consolida a virtude da paciência. No entanto, que continue claro, ele só se manifesta depois que promovemos o crescimento do dom de temor, do dom de ciência e piedade.
O dom de conselho e os misericordiosos
O quinto dom do Espírito Santo a se manifestar no caminho de santificação chama-se dom de conselho. Como o nome diz, ele traz a clareza interior (conselho) sobre o que contribui ou não para nossa salvação. Afinal, entre duas obras queridas por Deus, qual devemos executar? Se o filho ficou doente, o correto é conduzir a pregação no grupo de oração conforme foi combinado ou permanecer ao lado do filho? Qual a verdadeira obra de misericórdia para o momento? Como não existem respostas prontas e os casos, circunstâncias e envolvidos são sempre diferentes, somente o dom de conselho pode revelar o verdadeiro desejo de Deus e colocar a virtude da prudência em condições de atuar corretamente. Ele nos conduz a servir do próximo, mas da maneira correta, sem prejuízo para nós mesmos e para os outros. Logo mais, veremos também como os dons de conselho e fortaleza são fundamentais para abrirem a porta que leva às segundas moradas, e porque tantos cristãos não conseguem sair dessas primeiras moradas por não desenvolverem esses dons que recebem gratuitamente com a graça santificante.
Chegou a hora de rever os dons e as bem-aventuranças, de perceber onde realmente você se encontra nessa escada que leva às segundas moradas. No próximo artigo, veremos, de uma forma mais esquemática, tudo o que é essencial nessas primeiras moradas do castelo interior de nossa alma para uma verdadeira progressão espiritual. Os artigos anteriores já trouxeram cada item detalhadamente; agora, trata-se de conseguir uma perfeita visão de conjunto como um verdadeiro mapa. Deus tem pressa com nossa santificação! São os santos que, verdadeiramente, conduzem a propagação do Reino de Deus na Terra. Rezo para que o dom de fortaleza atue em você, fazendo-o incansável nessa busca. A recompensa é inigualável, e o Senhor de todas as coisas vive mais próximo do que percebemos.