Duas palavras bastante comuns na vida dos cônjuges são expectativa e frustração. A todo momento, cada um dos lados, por meio da imaginação, cria expectativas sobre tudo a respeito do outro: reações, sorrisos, palavras, silêncios, gestos, carinhos. É o marido que imagina que a esposa vai apoiá-lo naquele projeto, a esposa que pensa que dessa vez o marido vai perceber o esmalte novo e tantas infindáveis pequenas situações como essas, em que um não se comportou como o outro esperava, gerando frustração e tristeza. Quem já tem mais tempo de relacionamento sabe bem que além dessas “expectativas de mão única” há as “expectativas de mão dupla”: diante de uma situação de conflito, ambos esperam compreensão recíproca, mas comumente acontece um fenômeno que, à primeira vista, parece inexplicável.
Vamos imaginar um exemplo bem figurativo desse problema: João e Maria estão vivendo um conflito e um explica para o outro o que espera receber como resposta para a situação. João espera que Maria lhe ofereça “água” e Maria também espera que João lhe ofereça “água”. Quando ambos ouvem isso um do outro, seus corações se alegram,
porque parece que finalmente o problema vai ser resolvido, já que a intenção no coração dos dois é justamente oferecer “água” ao outro. Quando João verbaliza a sua resposta, contudo, ele diz “água”, mas Maria ouve “apito”, e quando Maria, por sua vez, responde, João ouve “barbante”, ainda que ela tenha dito “água”. A discussão começa a ficar mais nervosa, porque João diz que é Maria que está entendendo mal, que ele está dando exatamente o que ela esperava, enquanto ela diz a mesma coisa do marido, e os dois se distanciam cada vez mais de um acordo. Como isso pode acontecer? É que um ser humano é algo muito complexo, com sentimentos, inteligência, história de vida,
personalidade e um sem número de variáveis que estão em constante ebulição, amadurecendo numa determinada dimensão, regredindo em outra e permanecendo estável em outras mais. Enquanto isso, a linguagem é simples e limitada e muitas vezes ela só é clara de verdade a partir da m inha perspectiva, sendo totalmente confusa do ponto
de vista do outro. Assim, eu falo “água” e entendo “água”, mas o outro entende “apito”.
Frustração mútua, mágoa e ressentimento
Claro que esse é um exemplo simplório para ilustrar a extrema dificuldade que é definir uma expectativa, que traz em si um conjunto intrincado de emoções, sentimentos e lembranças. Quando um cônjuge diz para o outro, por exemplo, “eu só queria me sentir amado”, no mais das vezes essa frase tão simples e limitada significará um mundo de diferença para um e para o outro. Para quem falou, sentir-se amado pode trazer uma infinidade de detalhes quase imperceptíveis, pequenos gestos, o tom de uma determinada palavra, o momento em que certa atitude aparece, o jeito que o olhar do outro passeia pelo quarto antes de pousar no seu, a força com que se dá um abraço, talvez até a sequência correta com que tudo isso acontece. O outro, por sua vez, pode trazer definições bem mais simples do que é se sentir amado, a partir da sua própria perspectiva: “Eu te amo” ou um presente no dia do aniversário seriam respostas que “deveriam” satisfazer a expectativa do outro de sentir-se amado. Quando essas diferenças entre a expectativa e a resposta vêm à tona, seguem-se frases como:
“Você não me conhece nem um pouco mesmo.”
“Você não sabe nada sobre mim.”
“Você também nunca vai me entender.”
“É você que não me entende”, e assim sucessivamente, num processo que gera frustração mútua e acúmulo de mágoa e ressentimento.
Esse processo ganha contornos mais dramáticos quando um dos cônjuges tenta se antecipar à expectativa do outro, o que é também bastante comum. Munido da maior boa vontade que se possa imaginar, ele tenta acertar e surpreender o outro. Claro que esse processo gera uma “superexpectativa”: o outro vai se comportar exatamente da
maneira tal, vai reconhecer meu esforço, vai sorrir, vai me beijar, seremos felizes para sempre… Em vez de usar um exemplo próprio do matrimônio para ilustrar essa situação da “superexpectativa”, recorramos a um caso muito famoso de alguém que tentou se antecipar e surpreender o seu interlocutor e acabou totalmente frustrado.
Basta observar os mandamentos…
Um jovem aproxima-se de Jesus e pergunta o que deve fazer de bom para ter a vida eterna. Jesus responde que basta observar os mandamentos. O jovem pergunta quais, mas pela resposta que ele dá depois que Jesus os enumera, podemos perceber que ele sabia muito bem quais eram os mandamentos. Sua pergunta foi só para surpreender Jesus. Podemos imaginar como esse jovem foi se empolgando interiormente à medida que Jesus vai enumerando os mandamentos:
“Não matarás (o jovem começa a se alegrar), não cometerás adultério (o jovem exulta), não furtarás (“Como estou indo bem!”, pensa o jovem), não dirás falso testemunho (“Glória a Deus! Faço tudo isso!”), honra teu pai e tua mãe (“Eu sempre honrei!”), amarás teu próximo como a ti mesmo (“É só isso? Viva! Eu sou a última coca-cola do deserto, sou justo, santo, perfeito, irrepreensível. Tenho certeza de que o Mestre vai se impressionar com minha resposta”).
“Tenho observado tudo isso desde a minha infância. Que me falta ainda?”
Que confiança desse jovem ao dizer que tinha observado tudo aquilo desde a infância. Ora, se ele observava tudo, o que podia lhe faltar? Talvez ele tenha perguntado aquilo para ouvir Jesus dizer: “Não lhe falta nada, você já é perfeito”. Mas a resposta de Jesus, que todos conhecemos, foi uma espada cortando aquele jovem coração, tanto que
ele se afastou dali “muito triste”. Quantas vezes queremos nos antecipar e surpreender o cônjuge e saímos “muito tristes”! Que comportamento ter então? Ora, encontramos a resposta em outra história também famosa, de alguém que possivelmente aproximou-se de Jesus com uma grande expectativa, não recebeu a resposta que esperava, mas soube “esvaziar-se de si” e encher-se de humildade diante do Senhor.
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Busque imitar Jesus
Jesus andava em terra pagã, Tiro e Sidônia, quando uma mulher daquela terra implorou piedade para sua filha, que era atormentada por um demônio. Jesus sequer lhe dirigiu a palavra, mas podemos imaginar, pela fala dos discípulos (“Despede-a, ela nos persegue com seus gritos”), que ela insistiu bastante com o Senhor. Quando Jesus quebra o silêncio, não se dirige a ela, mas aos discípulos, com uma frase dura e uma postura que parece arrogante, que frustraria qualquer um: “Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel”. A mulher não se deixa desanimar. Prostrando-se diante de Jesus, insiste: “Senhor, ajuda-me!”
Quando o Senhor finalmente fala com ela, parece até cruel em sua resposta: “Não convém jogar aos cachorrinhos o pão dos filhos”. A mulher, contudo, não se dá por vencida e mostra o quanto é possível alguém esvaziar-se de si, algo que o próprio Jesus, pouco tempo depois, faria de maneira perfeita e definitiva na cruz. Chamando-o de “Senhor”, ela afirma se contentar com as migalhas que caírem da mesa dos donos dos cães. Jesus então reconhece a grande fé daquela mulher e faz o que ela lhe pediu, curando a sua filha. A mulher cananeia é o modelo que devemos seguir dentro do casamento: mesmo que o cônjuge frustre nossas expectativas da pior maneira possível, devemos imitar Jesus e esvaziar-nos de nós mesmos, de toda frustração e viver o amor, que nesses momentos se traduz como uma humildade extrema.
Só uma experiência profunda com o Cristo crucificado nos permitirá viver isso. Nosso Senhor sabe lidar como ninguém com expectativas frustradas. Por mais que Ele preparasse os discípulos e o povo que O seguia, a grande maioria esperava um Messias que restauraria o poder e a glória de Israel, um Rei imponente, que derrotaria os
romanos, um Salvador que repararia todas as injustiças e teria um exército incontável aqui na Terra. O que Jesus lhes entregou? O opróbrio da Cruz. Em vez de um reino glorioso, uma morte vergonhosa e humilhante. Mas esse é o caminho, mostrou-nos Jesus. É necessário passar pelo aparente fracasso da Cruz para alcançar o céu. Sem nos esvaziarmos das nossas expectativas, seremos incapazes de amar de verdade, e isso vale para o matrimônio. É na frustração que se mostra o quanto se ama. Foi assim com a cananeia, foi assim com o jovem rico. Uma saiu feliz, em júbilo, o outro saiu muito triste.
Amor irrestrito
Quando seu cônjuge frustrar suas expectativas, olhe adiante. Não se comporte como Herodes, que ficou frustrado porque queria encontrar Jesus apenas para ver milagres. Seja como a cananeia, que se despiu de toda vaidade, de toda autossuficiência e mesmo sem entender o que acontecia, humilhou-se diante de Deus. Quando você disser
“água” e sua esposa entender “apito”, ou quando você quiser um abraço e seu esposo só conseguir ficar em silêncio, transforme essas frustrações em caminho de santidade por meio do amor irrestrito. Sacrifique suas expectativas por amor a Deus e ao seu cônjuge, como Jesus sacrificou-se na cruz. Obedeçamos ao que ensina São Paulo e tenhamos os
mesmos sentimentos de Cristo Jesus:
“Ele, apesar de sua condição divina, não fez alarde de ser igual a Deus,
mas se esvaziou de si e tomou a condição de escravo, fazendo-se
semelhante aos homens” (Fl 2,6-7).