Durante o caminho natural que uma família percorre desde a sua fundação, que acontece com o casamento, é possível identificar um ciclo vital, ou seja, vivências próprias durante todo o seu percurso. Essa vivência do ciclo vital pode proporcionar crises, as quais não devem ser entendidas como um processo negativo, mas, sobretudo, como um momento para que a família possa crescer e seus membros assumirem, de fato, a escolha de viverem seus laços familiares. Deve-se ter em mente que a escolha por uma família significa assumir uma missão.
A história de uma família está marcada por crises de todo gênero, que são parte também da sua dramática beleza. É preciso ajudar a descobrir que uma crise superada não leva a uma relação menos intensa, mas a melhorar, sedimentar e maturar o vinho da união. Cada crise implica um aprendizado, que permite incrementar a intensidade da vida comum ou, pelo menos, encontrar um novo sentido para a experiência matrimonial. Pelo contrário, quando se assume o matrimônio como uma tarefa que implica também superar obstáculos, cada crise é sentida como uma ocasião para chegar a beber, juntos, o vinho melhor. (Francisco, 2016, p.193)
Ao enfrentar essas crises, a família, segundo Garcias Pintos (1997), apresenta-se como aquela que cumpre com as seguintes funções:
1. Assegura o bem-estar afetivo;
2. Assegura o bem-estar material;
3. Absorve o impacto das tensões que derivam de enfrentar novas e imprevistas situações.
As crises que um casal pode viver
As eventuais crises que um casamento pode passar, segundo o mesmo autor, são:
1a – A crise de ser dois;
2a – A crise da convivência efetiva do casal;
3a – A crise do nascimento dos filhos;
4a – A crise do crescimento dos filhos;
5a – A crise do casamento dos filhos;
6a – A crise do tornar-se avó/avô;
7a – As crises acidentais.
1a crise: A crise de ser dois
De acordo com Garcia Pintos (1997), uma pessoa deve resolver primeiramente a sua identidade pessoal para poder integrar-se ou dar início à vida familiar, uma vez que não deverá buscar, na família futura, questões que superem as suas próprias possibilidades, buscar no outro a resolução das suas carências entre outras dificuldades. A pessoa deve resolver-se como o “ser um”, isto é, desprender-se da extrema individualidade; caso diagnóstico familiar contrário, fará do outro uma extensão de si, e não assumirá o seu novo status de vida que se inaugura com o casamento, o “ser dois”, para então perceber e respeitar a outra pessoa. Essa tarefa, nessa nova situação de vida, não é simples.
Como, da noite para o dia, seremos dois? Como seremos uma só carne, se a pessoa aprendeu até o momento do casamento a ser uma pessoa, e a pensar e comportar-se dessa forma? Dizemos assim: “Será que a pessoa que decidia tudo sozinha – o que comprar, aonde ir, para onde viajar, a que hora voltar para casa, entre tantas pequenas decisões – conseguirá, como em um passe de mágica, decidir com o outro? Ela passará a compartilhar sempre com a outra pessoa as suas decisões, de um momento para o outro?”.
É evidente que não! Essa nova configuração de vida trará uma crise: a crise de ser dois. E ao experimentar e viver essa crise, ambos irão amadurecer. Trata-se de uma arte: a arte de saber partilhar a vida! Esse é um desafio possível, que não ocorre de um dia para o outro; antes, é um processo. Com o casamento, a pessoa deverá aprender uma outra maneira de viver. Essa integração não significa que ambos perdem a sua individualidade; mesmo formando um casal, o indivíduo continua possuindo os seus projetos e sonhos. No entanto, na vida de casado não se decide nada mais sozinho. Cada decisão deve ser tomada pelo casal, e cada pessoa é participante ativo das decisões e escolhas, pois cada passo dado passa a ser da família e para a família.
2a crise: Convivência efetiva do casal
Segundo Garcia Pintos (1997), essa crise está relacionada ao choque entre as culturas familiares. O que isso significa?
Significa que cada um dos cônjuges foi educado em um ambiente diferente, por uma família diferente, com costumes, hábitos e conceitos bem diversificados. Essas diferenças trarão vários comportamentos para os cônjuges, que se manifestarão em pequenos detalhes do cotidiano. O namoro e o noivado não são capazes de revelar essas diferenças para o casal, por mais tempo que tenham convivido. Essas manifestações ficam evidenciadas no casamento, uma vez que existe uma constância no convívio: o acordar e dormir diário. A vida em comum faz essa realidade ficar evidente para os dois. Para a superação dessa crise, o casal deverá encontrar uma terceira cultura familiar: a dos filhos. Essas diferenças podem trazer conflitos constantes. São eles: diferenças alimentares, nos gostos pelas roupas, na arrumação da casa, na organização do guarda-roupa, na administração do dinheiro e em tantas outras questões que o convívio diário evidencia (garcia pintos, 1997).
3a crise: Nascimento dos filhos
O nascimento dos filhos é um momento especial na vida de um casal; no entanto, é uma “convulsão”. Agora, tem-se a entrada de um terceiro, deixa-se de ser dois para ser três. Não é possível pensar somente em um, nem mesmo nos dois; agora, o terceiro é um ser que precisa de cuidados, e suas necessidades muitas vezes tornam-se prioritárias. Todas as decisões devem considerar essa pessoa que acaba de chegar. Aspectos como planejamento de viagens (atentando ao local adequado para crianças), vida financeira, passeios, de uma forma geral, devem levar em consideração a presença do filho.
A vivência da sexualidade (local, horário) também muda, assim como o local para morar, o fato de não mais conseguir descansar quando se quer e, assim, muitas escolhas do casal dependerão do filho. Quando o pai e a mãe conseguem configurar essa nova realidade na vida de ambos, a vivência familiar adquire um novo sabor.
Experimenta-se um amor que não tem como se medir, e se vive uma entrega de vida. Quando isso ocorre, visualiza-se realmente a vida plena familiar acontecendo. É impressionante como a chegada do filho confere, de fato, a clareza de que a família está sendo constituída. Normalmente, ela traz uma nova forma de ver o mundo, propiciando aos pais mais responsabilidade e trazendo, cada vez mais, o desejo de cuidar (garcia pintos, 1997).
4a crise: Crescimento dos filhos
Essa crise, para Garcia Pintos, refere-se ao crescimento dos filhos e, consequentemente, à possível dificuldade de aceitar que eles não são propriedade privada, mas que são dados pela vida, temporariamente. Pode ser difícil compreender que o filho é autônomo, que precisa seguir a sua própria vida e tornar-se um ser independente (garcia pintos, 1997).
5a crise: Casamento dos filhos
Essa crise refere-se, segundo o mesmo autor, a integrar-se com outra família, a perder e/ou ganhar um(a) filho(a).
A realidade dessa crise está diretamente relacionada à síndrome do ninho vazio. Os filhos saem de casa para formar uma nova família e o casal, o pai e a mãe, voltarão a ser dois. Se os mesmos não resolveram essa realidade da convivência entre eles, provavelmente vivenciarão essa situação no momento da saída dos filhos (garcia pintos, 1997).
6a crise: Quando se torna avô/avó
Garcia Pintos (1997) esclarece que o momento de ser avô e avó constitui uma crise, uma vez que a chegada dos netos serve para organizar a vivência da perda do seu filho, que ora se constituirá como pai e estará atento à sua família, como também a entrada em uma nova etapa: a pessoa se vê em uma nova fase da sua vida, ou seja, a velhice.
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7a crise: As crises acidentais
Existem ainda as crises acidentais, que se relacionam a situações inesperadas, podendo ocorrer a qualquer momento da vida do casal, como, por exemplo, a gravidez antes do casamento, separações conjugais, viuvez precoce, falecimento dos filhos, esterilidade do casal, adoção, delinquência ou drogadição dos filhos, transtorno da sexualidade, mudança brusca de vida, falência, riqueza, roubos, incêndios e outras situações inesperadas (garcia pintos, 1997).
No caso da morte de um dos cônjuges, segundo o autor, trata-se na realidade de voltar a ser um. Nesse sentido, a pessoa volta a encontrar-se consigo, com tudo o que se é, ou seja, com a sua individualidade. Caso essa pessoa tenha se esquecido de si mesma e tenha se anulado completamente em função do outro, ela poderá encontrar dificuldades em viver essa nova fase. No entanto, caso ela tenha experimentado a vida matrimonial sem se esquecer de si mesma, encontrará lembranças que possibilitarão resolver e vivenciar bem a sua viuvez (garcia pintos, 1997).
Podemos citar também as crises acessórias, que advém das situações externas, mas que influenciam a vida familiar, tais como guerras, revoluções, crises econômicas e/ou políticas entre outras (garcia pintos, 1997).
Para refletir e dialogar
1. Relembre os momentos de crise.
2. Identifique as crises que ainda não foram superadas.
3. Você tem algo ou alguém que precisa perdoar?
4. Quais estratégias é preciso buscar para superar as crises?
Trecho extraído do livro “Diagnóstico Familiar”, de diácono João Carlos e Maria Luiza