13 de maio de 1917: três crianças de uma pequena aldeia rural de Portugal vivem o momento extraordinário de serem procuradas pela Virgem Maria, «mais brilhante que o sol», para lhe dar uma missão que ultrapassa em muito as suas capacidades humanas. A primeira aparição de Nossa Senhora em Fátima aponta de forma muito especial o sentido vocacional da vida. É sobre esta dimensão que quero aqui meditar.

Créditos: Domínio Público
A nossa vocação fundamental é o amor
A palavra «vocação» indica sempre um encontro de duas pessoas. Palavra originária do latim, «vocação» indica sempre «chamar». Se alguém é «chamado», então há alguém que «chama», mostrando que a vocação é sempre dialógica. Num tempo muitas vezes marcado pelo individualismo, refletir sobre a vocação mostra-nos que não podemos viver sozinhos. Ninguém vive fechado em si próprio. Só nos realizamos verdadeiramente quando amamos. A nossa vocação fundamental é o amor. Percebemos toda esta dimensão no plano da primeira aparição de Nossa Senhora em Fátima.
«Quereis oferecer-vos a Deus?»
Com efeito, a Virgem Maria aproxima-se daquelas crianças e fala-lhes em primeiro lugar do Céu. Em seguida, a questão fundamental: «Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser enviar-vos, em ato de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores?». O amor não é um sentimento ou uma experiência passageira. Amar é dar a vida, por isso, a vocação ao amor realiza-se na entrega radical, muitas vezes dolorosa. Amamos quando saímos de nós próprios e abdicamos de algo. A oferta de si próprio é sempre um dos principais sinais do amor. Não damos somente «alguma coisa», mas oferecemo-nos a nós próprios.
A Mensagem de Fátima
No contexto da Mensagem de Fátima encontramos uma expressão maior disso quando, no ano 1916, nas visões do Anjo, os Pastorinhos recebem a Sagrada Comunhão. A centralidade eucarística dos eventos de Fátima é chave hermenêutica da Mensagem que a Virgem Maria quis deixar em Portugal: em cada Missa, no sacramento da Eucaristia, não recebemos apenas uma bênção de Deus, ou «alguma coisa», mas Deus transforma o pão e o vinho no Corpo e Sangue de Cristo para Se dar a si próprio a nós. O que celebramos em cada Missa é o Céu aberto, a oportunidade de nos identificarmos com Deus e de participarmos da vida divina. Portanto, quando Deus pede aos Pastorinhos, por Maria, que se ofereçam a Deus, temos a certeza de que o primeiro que se ofereceu foi o próprio Deus. Por isso, a oferta que é pedida àquelas crianças é em «reparação», isto é, um ato de excesso de amor suscitado pelo Espírito Santo em Lúcia, Francisco e Jacinta, de tal modo que amam por aqueles que não amam e ofendem a Deus. É a resposta lógica da reparação realizada no sacramento da Eucaristia: participamos da ação de graças do Filho ao Pai, como justa adoração e entrega total ao amor de Deus.
Leia mais:
.:Encontrei-me com Nossa Senhora de Fátima
.:A mensagem deixada por Nossa Senhora de Fátima à humanidade
.:Nossa Senhora de Fátima em minha vida
A obediência à vontade divina
Aprofundando um pouco mais o sentido vocacional desta primeira aparição, há um outro aspecto que quero sublinhar: a obediência à vontade divina. Pergunta a Virgem se as crianças aceitam os sofrimentos que Deus quiser enviar. É uma linguagem dura e difícil, mas que só se pode entender num sentido mais amplo da Providência de Deus. Não entendemos que seja Deus que provoca aquelas situações que provocam sofrimento, mas Deus permite. Acreditamos que Deus sustenta tudo o que existe, segundo a belíssima síntese: «Tu amas tudo quanto existe e não detestas nada do que fizeste; pois, se odiasses alguma coisa, não a terias criado» (Sab 11, 24). Ao mesmo tempo, portanto, se tudo está nas mãos de Deus, suportar as contrariedades e sofrimentos com amor torna-se uma forma de obediência à vontade de Deus. Sabemos que é sempre uma união à Cruz de Jesus e, por isso, uma forma de participar mais profundamente no amor de Deus que ressuscitou Jesus e transforma os lugares de morte em expressões de vida.
A vocação que Deus dá a cada um de nós
Concluindo, vemos que nesta questão se condensam diversos elementos da vida cristã. A grande parcimônia de palavras de Nossa Senhora nos acontecimentos de Fátima faz com que cada palavra tenha um relevo particularíssimo. Na pastorinha Lúcia, vemos como o «Sim» que eles proclamam a esta pergunta de Maria a vai acompanhar toda a vida. É de forma particular assinalável que em todos os momentos, já mesmo muito idosa, ela recordará sempre este «Sim». Trata-se do «Sim» vocacional que é uma afirmação de amor e adesão de vida e coração a Deus. Ao celebrarmos este 13 de maio também nós somos convidados a dizer o nosso «Sim» à vocação que Deus dá a cada um de nós: sermos e vivermos como seus filhos.
Pe Ricardo Figueiredo
Português, Sacerdote da Igreja Católica. Doutor em Teologia Sistemática Pela Universidade Católica Portuguesa, Diretor do Departamento Comunicação Lisboa Autor de vários livros