💙 Devoção Mariana

Maria, caminho para Cristo

A dimensão cristocêntrica da devoção mariana segundo São Luís Maria Grignion de Montfort

No coração da espiritualidade cristã, a figura da Virgem Maria ocupa um lugar privilegiado, não apenas como Mãe de Deus, mas também como modelo de discipulado e mediação.

Entre os grandes mestres da devoção mariana, São Luís Maria Grignion de Montfort (1673-1716) destaca-se pela profundidade teológica e espiritual com que delineou o papel de Maria no mistério de Cristo e da Igreja. A sua obra-prima, Tratado da Verdadeira Devoção a Maria, continua, até os dias de hoje, a servir de guia luminoso para todos os que desejam viver uma fé plenamente cristocêntrica através de uma consagração sincera e total a Maria.

São Luís afirma, com veemência, que a verdadeira devoção a Maria não se detém nela, mas conduz inevitavelmente a Jesus Cristo. Numa época em que a devoção mariana corria o risco de degenerar em sentimentalismo ou superstição, Montfort chama a atenção para o essencial: “Jesus Cristo, que é o nosso Salvador, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, deve ser o fim último de todas as nossas outras devoções. Caso contrário, elas seriam falsas e enganadoras. Jesus Cristo é o alfa e o ômega (Ap 1,18), o princípio e o fim de todas as coisas (Ap 21,6)” (TVDM, n.º 61)

Créditos: Domínio Público

Para Montfort, Maria é o caminho mais seguro, mais curto, mais perfeito e mais certo para alcançar a união com Jesus Cristo. (TVDM, n.º 152 – 168) A consagração “a Jesus por Maria” não é, portanto, um culto paralelo, mas um itinerário espiritual que segue o próprio caminho escolhido por Deus: a Encarnação. Deus veio até nós através de Maria; podemos e devemos voltar a Ele seguindo o mesmo caminho.

O gesto central da espiritualidade de Montfort é a consagração total a Jesus por Maria, também definida como “escravidão de amor”. Este ato não tem nada de servil no sentido moderno do termo, mas exprime um amor radical e uma entrega total a Cristo, seguindo o exemplo da Virgem.

Ao entregar a Maria todo o seu ser — corpo, alma, bens interiores e exteriores — os fiéis confiam-se a Ela, que, com perfeita humildade, acolhe e torna fecunda toda a oferta para o Reino de Deus. Maria não guarda nada para si, mas molda-nos como verdadeiros discípulos do seu Filho, moldando-nos à imagem de Cristo. Montfort escreve: “Toda a nossa perfeição consiste em sermos conformes, unidos e consagrados a Jesus Cristo” (TVM, n.º 120).

A mariologia de Montfort é profundamente Cristocêntrica, na medida em que a sua cristologia implícita o é. Todas as afirmações sobre Maria estão enraizadas em Cristo: a sua maternidade, a sua mediação, a sua realeza, tudo deriva da sua união única com o Redentor. Maria é a criatura mais unida a Cristo e, por conseguinte, a mais poderosa intercessora junto d’Ele. Montfort insiste que Maria é a forma de Deus, ou seja, a criatura na qual o Espírito Santo formou Cristo e na qual quer formar também os seus membros. Não se trata de uma devoção paralela, mas de uma dinâmica imersa no mistério da Redenção.

Num tempo marcado pela confusão e pela crescente secularização, a espiritualidade de Montfort oferece uma orientação clara: voltar a Cristo através de uma aliança renovada com Maria. Trata-se de um caminho de humildade, abandono e confiança, que transformou a vida de santos como João Paulo II, que adotou o lema “Totus Tuus”, retirado da fórmula de consagração de Montfort.

São Luís Maria Grignion de Montfort convida-nos a viver uma autêntica devoção mariana que não obscurece, mas exalta o primado de Cristo. Numa época em que se corre o risco de separar a fé do coração, ele propõe-nos uma espiritualidade encarnada, afetiva e profundamente teológica: seguir Maria para pertencermos mais plenamente a Jesus.

Leia mais:
.:Esta é Maria, a mãe de Jesus e minha mãe!
.:A Igreja servidora escolheu Maria como referência de caridade
.:São João Paulo II explica por que Maria é a Mãe de Deus

No entanto, é sobretudo na importante obra O Amor da Sabedoria Eterna (AES) que ele elabora uma reflexão extensa e sistemática sobre o mistério da cruz, no qual se manifesta a loucura do amor de Deus pelo mundo. Os capítulos 12 a 14 são particularmente interessantes, pois apresentam um programa de vida evangélica baseado na cruz e concluído com uma fórmula singularmente eficaz: “A Sabedoria é a Cruz e a Cruz é a Sabedoria” (AES 180).

Não basta conhecer tal Sabedoria: é necessário experimentá-la, adquiri-la e possuí-la. Por que meios e por que caminhos? Montfort propõe quatro: em primeiro lugar, um desejo ardente, que é um dom de Deus: “É a recompensa pela fiel observância dos mandamentos” (AES 182). O segundo meio é a oração incessante: “Que orações, que trabalhos não exige o dom da Sabedoria, que é o maior de todos os dons de Deus!” (AES 184).  O terceiro é a mortificação universal: “A Sabedoria, para ser comunicada, não requer uma mortificação frívola ou de poucos dias, mas uma mortificação total e contínua, corajosa e discreta” (AES 196). E, finalmente, aqui está “o meio mais maravilhoso de todos os segredos para adquirir e conservar a Sabedoria divina: uma terna e verdadeira devoção a Santíssima Virgem” (AES 203). Ela é a mãe da Sabedoria de Cristo, a árvore que produz frutos tão extraordinários.

“Qualquer que seja o dom que nos conceda, não fica satisfeita se não nos der a Sabedoria encarnada, Jesus, o seu Filho; ocupa-se, todos os dias, em procurar almas dignas dela para lha dar” (AES 207). Maria não é o fim, mas o caminho. Um caminho que nos conduz com suavidade, humildade e segurança ao próprio Coração do Evangelho: Jesus Cristo, nosso único Salvador.

Pe. Carlos Miguel José Vieira
Congregação dos Padres Monfortinos, Superior Delegado dos Monfortinos da Delegação Portuguesa.
Apresentador e colaborador de programas na Rádio e TV Canção Nova – Fatima/PT