Talvez você seja um entre tantos (e eu me incluo no meio desses) que aproveitam o calendário para assumir compromissos diversos. Podem ser promessas de ano novo ou os famosos inícios de regime na segunda-feira. Ter uma data, um período determinado no tempo parece nos ajudar a tornar aquele propósito mais sério do que, simplesmente, decidir que “a partir de hoje” – seja hoje que dia for –, vou fazer isso ou aquilo, vou começar meu regime, minha atividade física, minhas leituras.
Se você está nesse grupo, muito possivelmente vai se identificar com a seguinte situação: ao firmar algum compromisso, numa data simbólica, tal como o ano novo, vem à sua memória que, ao longo dos últimos anos, você tem feito a mesma coisa, nessa mesma data, sem muito resultado.
Na minha família, por exemplo, é comum que, na Ceia de Natal, ocasião em que todos nos reunimos na casa dos nossos pais, eu e meus irmãos brinquemos sobre como um está mais gordo que o outro. Após um almoço farto, todos vamos, então, até a balança que meu pai usa para pesar sacos de milho, pesamo-nos e fazemos algum compromisso conjunto de perda de peso, que envolve alguma aposta.
O fato é que essa mesma aposta já foi feita em anos anteriores, justamente porque não costumamos perseverar no compromisso assumido de manter um peso considerado saudável. Diante dessa lembrança de sucessivos fracassos, tentamos, então, convencer-nos de que “dessa vez vai ser diferente”, de que essa não vai ser uma aposta como foram as outras, de que a esse compromisso vamos ser fiéis.
A Quaresma é um tempo especial
Tudo isso me veio à memória, neste tempo de quarentena, e explico o porquê: Como bom católico, não importa se costumamos fazer compromissos em outras épocas do ano ou não: a Quaresma é um tempo especial, um tempo forte de busca de conversão por meio de diferentes formas de vivermos o jejum, a esmola e a oração. Espera-se que todo católico aproveite bem a Quaresma e faça uma revisão de vida de maneira bem concreta, abandonando algumas práticas que não o auxiliam no seu itinerário espiritual, aderindo a outras que sejam benéficas, fazendo penitência, rezando mais, mantendo-se vigilante, preparando-se para viver bem a Semana Santa e dela sair com frutos de conversão que permaneçam após o Domingo de Páscoa.
Talvez eu seja uma exceção entre os católicos – apesar de duvidar disso –, mas todas as vezes que se aproxima a Quaresma, aquele pensamento que eu descrevi, no início do texto, vem à minha mente: dessa vez vai ser diferente. Penso isso, porque, nos últimos anos, sempre estabeleci metas para viver bem a minha Quaresma, mas quando a Semana Santa chegava e eu olhava para trás, via em quantas dessas metas eu havia falhado, quantos dos compromissos eu havia abandonado.
Desde o início deste ano, eu fui me preparando e rezando com esse pensamento: essa Quaresma vai ser diferente das outras. E não é que ela vai ser mesmo? Imagino que nenhuma pessoa que esse texto alcançar tenha passado por uma Quaresma sequer parecida com essa: o Brasil inteiro de quarentena, sem a Santa Missa, a Semana Santa com toda a sua liturgia celebrada sem os fiéis, sem procissão do Senhor Morto, sem participação na Vigília Pascal. Teremos que acompanhar tudo pela TV, da nossa casa, confinados, protegendo a nós e aos outros dos riscos de contágio do coronavírus.
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Vai ser diferente?
Que está sendo uma Quaresma diferente de todas as outras que eu já vi, isso é fato. Mas eu me pergunto: mesmo assim, dessa vez vai ser diferente? Tudo na vida de um católico deve apontar para a necessidade que ele tem de converter-se, de mudar de vida, de abandonar os hábitos do homem velho e aderir aos hábitos do homem novo, resgatado pelo preço do sacrifício do Nosso Senhor Jesus Cristo.
A quarentena vai passar. Essa Quaresma vai passar. O tempo sem Santa Missa vai passar. E o que vamos fazer com esse tempo tão especial, único, inédito de visita de Deus? Ele se tornará, simplesmente, um marco histórico para dele nos lembrarmos nas reuniões de família no fim do ano?
Não quero que na Quaresma do ano que vem eu volte a pensar: esse ano vai ser diferente. A perfeição é um chamado para hoje, para já! Adolphe Tanquerey nos ensina que é preciso aplicar o desejo de perfeição imediatamente à ação presente, por mínima que seja. Desejar a santidade e adiar o esforço para o dia seguinte é uma tremenda ilusão, diz esse grande autor francês. Por mais que esse momento seja difícil para todos e haja muitas incertezas e medos, Santa Teresinha do Menino Jesus sabia muito bem:
A minha vida é um só instante, uma hora passageira
A minha vida é um só dia que me escapa e me foge
Tu sabes, ó meu Deus! Para amar-Te na Terra
Só tenho o dia de hoje!
Viver a Quaresma de maneira eficiente mesmo na quarentena
Deus está me falando nessa realidade em que me encontro – confinado, sem os sacramentos, com medo do coronavírus, na incerteza em relação ao meu trabalho. Cabe a mim ouvi-Lo e aproveitar esse tempo para rezar mais, fazer mais penitência e dar mais esmola. E há maneiras bem práticas de fazer isso: reze muito pelos doentes e pelos profissionais de saúde; ofereça a Deus seu confinamento como uma penitência, mantendo a alegria e sem murmuração; olhe para o lado e faça um bolo e deixe na porta do vizinho, ou se você tem uma horta, compartilhe o que colheu com pessoas que você sabe que estão necessitando hoje, enfim, faça gestos concretos de amor pelo próximo.
Mesmo confinado, é possível viver bem a oração, o jejum e a esmola. Mesmo em quarentena, somos chamados a viver a melhor Quaresma das nossas vidas: a Quaresma da nossa conversão!