Vai e restaura a minha Igreja!

No dia 4 de outubro, o Papa Francisco esteve em Assis para uma visita de amizade e gratidão a um santo de quem escolheu não apenas o nome, mas o ardor de levar adiante uma missão que ambos assumiram, sintetizada nas palavras que São Francisco ouviu na ermida de São Damião: «Vai e restaura a minha Igreja!».

Dentre os vários discursos que o Pontífice fez na cidade, ganhou as manchetes dos jornais o que pronunciou na residência do bispo local, no ambiente denominado “Sala do Despojamento”, onde, em 1205, o jovem Francisco, aos 23 anos, devolveu suas roupas ao progenitor, Pedro Bernardo, afirmando que, daquele momento em diante, seu pai era Deus e sua família era a Igreja.

Além do bispo de Assis – a quem o Papa saudou carinhosamente como «meu irmão Domingos» –, estavam na sala várias pessoas assistidas pela Cáritas diocesana. Foi a elas que Francisco dirigiu a palavra, aprofundando o conceito de despojamento, considerando-o essencial para uma autêntica restauração da Igreja e da sociedade. Trago seus tópicos mais incisivos: o conteúdo é dele, a tradução (nem sempre literal) é minha.


Assista: Visita do Papa Francisco a Assis (Itália)


A Igreja deve despojar-se constantemente de um perigo extremamente grave que ameaça a todos os seus membros: a “mundanidade”, ou seja, a tentativa de conciliar o Cristianismo com o espírito do mundo. Esse despojamento não se refere tanto – ou não somente – aos trajes, aos pertences, às estruturas e aos ambientes eclesiásticos. O passo a ser dado é muito mais amplo e radical, e envolve o estilo de vida e de atuação do cristão. Ele foi sintetizado por São Paulo nas palavras com que apresenta o exemplo de Jesus: «Esvaziou-se a si mesmo, assumiu a condição de servo e se fez semelhante aos homens» (Fl 2,7).

Quando não existe esse despojamento interior – e, na medida do possível, também exterior – o coração humano passa a ser ocupado pelo orgulho, pela vaidade e pela ambição, que transformam a vida, a Igreja e a sociedade num campo minado, onde tudo e todos devem estar ao meu dispor e serviço. Muito diferente do caminho percorrido por Jesus, «que veio não para ser servido, mas para servir e dar a sua vida pela salvação de todos» (Mt 20,28). Sem esse despojamento, ninguém terá vontade e forças para ocupar “o último lugar” – o único onde se encontra Deus – e muito menos para procurar “os últimos” da sociedade (Cf. Lc 14,10.13).

É preciso despojar-se para ter condições de acolher a multidão de despojados por um mundo selvagem que não oferece condições, não socorre, não se importa se há crianças morrendo de fome, famílias sem ter com o que se alimentar e tanta gente sujeita à escravidão. O caminho de quem não se esvazia para se preencher de Deus termina num beco sem saída, e quem o percorre tenta o impossível: servir a Deus e ao dinheiro, conciliar a segurança da fé com a do mundo. Um caminho que mata a alma, as pessoas, a Igreja. Não existe Cristianismo sem cruz nem cristãos de pastelaria com tortas e doces fascinantes!

Francisco encerrou suas palavras pedindo a Deus «que dê a todos a coragem de nos despojarmos não de 20 centavos, mas do espírito do mundo, que é a lepra, o câncer da Igreja e da sociedade!». Talvez tenha sido por isso que, poucos dias depois, pediu a dois bispos europeus que deixassem o cargo, já que pareciam não ter forças suficientes para acompanhá-lo nessa tarefa.

Essa sua constante preocupação pela renovação da Igreja lhe foi impressa no coração por seu predecessor, o Papa João XXIII, o qual, em 1959, a um diplomata que lhe perguntava quais seriam os objetivos do Concílio, respondeu: «Precisamos retirar a poeira imperial que, desde Constantino, se acumulou sobre a cátedra de São Pedro, prejudicando a verdadeira imagem e missão da Igreja no mundo».

Inclusive nas críticas que recebe por apresentar mais o caminho a percorrer do que os perigos a evitar, Francisco se mantém fiel à orientação do mesmo Pontífice, expressa no dia 11 de outubro de 1962, ao inaugurar o Concílio: «A Igreja sempre se opôs aos erros e, muitas vezes, os condenou com a maior severidade. Em nossos dias, porém, ela prefere recorrer mais ao remédio da misericórdia que ao da severidade, e julga satisfazer melhor às necessidades atuais mostrando o valor de sua doutrina do que censurando os desvios».

Dom Redovino Rizzardo, cs
Bispo de Dourados (MS)

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