Podem os clássicos e os grandes gênios da espiritualidade ajudar os jovens num caminho do “despertar para uma autenticidade e de compromisso espiritual? Essa é, afinal, a pergunta subjacente nos conflitos afetivos e emocionais da idade juvenil. A mística de São João da Cruz pode ser uma pista indicativa muito interessante.
O desconforto de tantos jovens, que correm o risco — segundo as palavras do Papa Francisco —, de confundir “a felicidade com um divã, um divã contra todo o tipo de dor e de medo, um divã que nos permite ficar fechados em casa sem nos cansarmos nem nos preocuparmos, o ‘divã-felicidade’ dos jovens estupefatos e atordoados” (Papa Francisco, 30 de julho de 2016. Vigília de oração com os jovens – Cracóvia), pode encontrar, na obra do grande místico espanhol, um amigo e companheiro de viagem paradoxal, inesperado e extraordinário. Mas como é que isso é possível e em que sentido?
João da Cruz é mestre da mística e da interioridade
João é um mestre da mística e da interioridade, ou melhor, o Doutor Místico. Se uma educação para a espiritualidade demasiada, conceitual e racionalizada não fala aos jovens de hoje, o caminho da interioridade pode fasciná-los. João da Cruz propõe um caminho que não é tanto teórico, e sim baseado na experiência, no autoconhecimento, para chegar finalmente à união com Deus.
Parece muito distante para um jovem de hoje, mas, por outro lado, o apelo pode ser irresistível. João da Cruz foi um diretor espiritual extraordinário, capaz de uma empatia e de uma sabedoria incomparáveis. Conhecer João da Cruz é fazer a experiência admirável — e quase desconhecida mesmo para tantos adultos do nosso tempo —, de um mestre de vida e de alma.
João da Cruz é um explorador da “noite escura” da alma e das profundezas
João da Cruz é um explorador da “noite escura” da alma e das profundezas. E, talvez, este seja um dos aspectos mais fascinantes do seu percurso para todos e, sobretudo, para um jovem. Se a dificuldade para tantos jovens de hoje é, citando novamente o Papa Francisco, o “contato doloroso com as próprias fraquezas”, com os próprios limites e medos, fechando-se em si mesmo e numa realidade virtual (em todos os sentidos), ele ensina algo crucial: o mistério de si mesmo, do outro e do divino é mais abordado através da escuridão, da perda, do desapego. Mesmo a dor e a sombra podem adquirir significado e favorecer o amadurecimento, sem qualquer culto masoquista do sofrimento.
Descobrir estas zonas inacabadas, frágeis e obscuras dentro de nós pode abrir-nos a um mistério maior. O caminho do “nada y todo”. João da Cruz descreve um caminho paradoxal onde, no final, a vida é plena. Uma vida que pode jorrar em alegria e amor. Entra-se nas “cavernas profundas da alma”, para usar uma imagem evocativa de João da Cruz. O caminho é longo, complexo, até mesmo árduo. O seu caminho não propõe a quimera do sucesso, muitas vezes inebriante, mas alienante, e talvez vivido à custa dos outros ou do nosso eu mais autêntico. Não, o caminho de João da Cruz é a “subida de uma montanha” de libertação e de união, onde reina o “nada y todo”. Como canta João da Cruz em alguns dos seus versos imortais:
“Chegar a saborear o tudo, não procurar sabor em nada.
Chegar à posse de tudo, não querer possuir nada;
Chegar a ser tudo, não querer ser nada”.
João da Cruz nasceu pobre, mas também escolheu a pobreza material e interior como seu modo e estilo de vida
O caminho da poesia: João da Cruz é também um artista, um mestre das palavras, um poeta, um crente na beleza. Na sua espiritualidade, ele sabe que a beleza é um dos transcendentais, que falam da glória do mistério. Sem um caminho de profunda beleza, ligado ao verdadeiro, ao bom e ao justo, a nossa vida não é verdadeiramente humana (e divina). Também aqui, a mensagem de João da Cruz pode ser avassaladora para um jovem, se for verdade, como queria o grande psicoterapeuta e mestre da interioridade, Kalfried Graf Durckheim, que a adolescência é, por excelência, uma idade iniciática e transformadora, onde o jovem procura a beleza e o Ser dentro de si, e não apenas um período de desconforto psicológico e de imaturidade.
O caminho da pobreza: é aqui que a “provocação” do Doutor Místico aos jovens atinge o seu ponto mais alto. João da Cruz nasce pobre, mas escolhe também a pobreza material e interior como caminho e estilo de vida. As atitudes humildes do santo são também um gesto político, ao mesmo tempo manso e forte. Seguir o caminho da riqueza é conformar-se com uma sociedade injusta, classista, de privilégios e de poder. João escolhe sentar-se no chão como um gesto. É também um ato de oposição não violenta. A pobreza de João da Cruz pode significar hoje sobriedade, partilha, essencialidade, ruptura com a terrível espiral da mercantilização.
Os jovens e a dificuldade em encontrar o que é profundo
O caminho é árduo. Mas será que temos outro? Para os jovens de hoje, sem, no entanto, fazer generalizações coruscantes, seria melhor falar de desnorteamento, desorientação, indiferença, fechamento em si mesmo, dificuldade em encontrar o que é profundo. Mais uma vez, as palavras de Francisco são incisivas: “E quando o medo se fecha em si mesmo, vai sempre acompanhado da sua irmã gémea, a paralisia, o sentir-se paralisado. Sentir que neste mundo, nas nossas cidades, nas nossas comunidades, já não há espaço para crescer, para sonhar, para criar, para olhar para os horizontes…” (Papa Francisco, 30 de julho de 2016. Vigília de oração com os jovens – Cracovia).
Eis, portanto, os principais inimigos dos jovens: o medo, a paralisia, a crise de imaginação, da capacidade de sonhar com um mundo diferente e melhor. Para o autor do livro, é sobretudo a cultura de uma “morte de Deus”, “nietzschiana”, que os jovens herdam. Mas, em nossa opinião, a raiz economicista do atual niilismo, que aumenta a desigualdade, sufoca com a tecnocracia, extingue a alma e nos faz sucumbir a um produtivismo sem sentido e orientado para o desempenho, deveria ser mais investigada.
Dom Cristiano Sousa OSB Cam – Mosteiro da Santa Cruz de Fonte Avellana – Itália