Tese sobre a Empatia

Edith Stein, doutora em filosofia

No seu regresso do Front, Edith é convidada a dar aulas de latim em sua antiga escola na Breslávia. Aceita e retoma a escritura de sua tese. Mais uma vez, ela vive a experiência de ressignificar as experiências vividas.

Em 3 de agosto de 1916, Edith defende sua tese: O problema da Empatia. Obtém o título de doutora em filosofia – com a nota máxima: suma cum laude – pela Universidade de Friburgo, para onde Husserl tinha sido chamado para atuar como professor catedrático. A tese é publicada em 1917, por ela mesma, com seus próprios recursos. Como o preço do papel estava muito alto por causa da guerra, ela não publicou a primeira parte, onde havia feito um extenso apanhado histórico de outros pensadores que haviam tratado do tema da empatia, mas de modo não fenomenológico. O texto que chegou a nós inicia-se na segunda parte.

Edith Stein, doutora em filosofia

Edith Stein e a experiência religiosa

No final da tese sobre a empatia, depois de ter aprofundado a capacidade de perceber a si mesmo e aos outros como pessoas espirituais, com um campo de valores próprios, um núcleo como marca da singularidade, ela constata a possibilidade – vislumbrada nos seus amigos convertidos do Círculo de fenomenólogos, como o próprio Husserl e Max Scheler – de a pessoa humana poder entrar em contato empático com Deus. Edith admite nunca ter tido esse tipo de experiência, mas a atitude fenomenológica a impele a admiti-la como uma experiência válida para pessoas que lhe são caras. Termina o seu texto dizendo que, a partir de então, suas pesquisas se voltarão para o estudo da experiência religiosa, para tentar compreender como ela se dá no crente.

Eu mesmo posso ser descrente e, no entanto, entender que outro sacrifique todos os seus bens terrenos por sua fé. Vejo que ele atua assim e empatizo uma captação de valor, cujo correlato não me é acessível, como motivo de seu agir, e concedo a ele um estrato pessoal que eu mesmo não possuo. É desse modo que eu obtenho empaticamente o tipo do “homo religiosus” que é alheio à minha essência, e eu o compreendo apesar de aquilo que aparece ali como novo permanecer irrealizado1.

A experiência de Edith com os convertidos nos comprova o quanto o testemunho é meio eficaz de evangelização para aqueles que estão em busca de um sentido maior para a sua própria via.

O primeiro encontro com a Cruz

Em 1917, durante a Guerra, morre Adolf Reinach, professor e grande amigo de Edith. Ela é encarregada pela viúva, de quem também era amiga, de preparar a publicação de seus escritos. Reinach era professor assistente de Husserl, e tinha ajudado Edith a sair de sua crise durante a escritura da tese. Ela acabou ficando muito amiga do casal.

Edith relata que, quando entrou no trem para ir encontrar a viúva, logo após a notícia do falecimento de Reinach, ficou ensaiando vários discursos para consolá-la. Sentiu-se muito tocada quando encontrou a jovem viúva – uma judia convertida, junto com seu esposo, à Igreja Evangélica, em 1916 – completamente consolada em Deus. Segundo Edith, esse foi o seu primeiro encontro com a cruz e com a força divina daqueles que aceitam carregá-la.  Mais uma vez, o testemunho de quem vive uma vida em Deus conduz Edith, por meio de uma experiência empática, a olhar para o seu íntimo, buscando traços da presença do divino em si.

Assistente de Husserl ou filósofa?

Após a defesa da tese, Edith Stein permanece em Friburgo, para onde Husserl tinha se transferido. Ela é convidada por ele a ser sua assistente particular. Sua esposa, Malvine, ficou muito feliz, pois sabia que Husserl precisava de uma ajuda para organizar os seus escritos. O convite causou uma grande alegria e satisfação a Edith, pois ele era o filósofo de seu tempo. Ela compilará os textos de Husserl, que serão publicados como o segundo livro das Ideias – sobre a constituição da natureza e do mundo espiritual. Aproveita para aprofundar as suas próprias análises sobre a constituição do ser humano como pessoa espiritual.

Mas, infelizmente, Edith permanece pouco tempo nessa atividade: era um trabalho exigente, de reelaboração e tradução estenográfica, pois Husserl escrevia na velocidade em que pensava, criando uma escrita quase indecifrável. Edith percebe que isso não corresponde à sua íntima exigência. Escreve para seu amigo, o filósofo e fenomenólogo Roman Ingarden, que não estava conseguindo desenvolver as suas próprias pesquisas, pois era muito difícil trabalhar com um “gênio desorganizado”, além de perceber que não era vista por Husserl como uma colaboradora, mas apenas uma simples assistente. Mais uma vez, Edith faz a experiência de desapegar-se do que era considerado um cargo maravilhoso.

Em fevereiro de 1918, Edith Stein deixa de ser assistente de Husserl, e Heidegger a substitui. Permanece próxima a Husserl e sua família, inclusive cuidando dele a pedido de sua esposa quando contrai uma “forte gripe”. Ela se ausenta para ver o filho que havia sido ferido no Front. Hoje, sabemos que, provavelmente, Husserl havia contraído a “gripe espanhola” – uma pandemia que se assemelha a causada pelo COVID. Edith foi cuidar do seu mestre, usando o conhecimento que tinha adquirido em seu curso e experiência no hospital de doenças infecciosas, como enfermeira da Cruz Vermelha. Ela mesma acaba contraído a doença, mas de uma forma mais branda.

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Vivência e análise da vida interior

Edith volta à sua cidade natal. Lê Santo Agostinho, Ignácio de Loyola, Teresa de Jesus e outros místicos cristãos, sempre com o intuito de analisar o que seria a essência de uma experiência religiosa. No fundo, ela mesma está vivendo interiormente a experiência do encontro com Cristo.

Retoma e aprofunda a análise fenomenológica do interior da pessoa humana, em um longo ensaio: Causalidade psíquica. Nele já aparece um aprofundamento da compreensão steiniana da realidade espiritual do ser humano, enquanto sujeito capaz de atos livres.

A alma humana é vista por Edith Stein de modo geral como vida psíquica de forma geral e como alma de modo específico na forma da vida espiritual. Ela a descreve como o “local” onde se manifesta uma causalidade que não consegue ser apreendida do mesmo modo que a causalidade física, mas ao modo de uma “legalidade espiritual”, de modo livre.

Nessa obra, Edith aprofunda a dimensão do núcleo pessoal, que é o modo único e irrepetível de cada pessoa preencher a sua estrutura psicofísica-espiritual com uma “nota pessoal”. Por ser livre, a pessoa humana é capaz de penetrar no fundo de sua alma, compreender-se de modo mais profundo, tomar atitudes de um modo mais livre irresponsável, ampliando também a sua capacidade empática. Por isso, todo entrar em si mesmo não implica em um fechamento para o outro, muito pelo contrário. Pois, como Edith aprende com Santo Agostinho e os outros místicos cristãos, habitar dentro é ir para fora, ir para o seu íntimo é encontrar-se também com os outros.

Fundamentação da psicologia e ciências do espírito

Em um segundo escrito, Edith passa a analisar fenomenologicamente essa passagem do eu para o outro, especialmente quando fundamentada nos atos livres, tanto do indivíduo quanto de suas relações intersubjetivas – que podem tomar a forma de comunidade, sociedade ou de massa. Redige a obra: Indivíduo e comunidade.

Os dois textos, ‘Causalidade psíquica’ e ‘Indivíduo e comunidade’, foram escritos entre 1918-1920, como tese de livre-docência para tentar ingressar na Universidade. Não foram aceitos por terem sido escritos por uma mulher, pois, na Alemanha daquele tempo, elas eram impedidas, por lei, de ocupar cargos docentes universitários, mas já se falava da modificação dessa lei, que ocorrerá durante a República de Weimar.

As duas obras de Edith Stein foram publicadas conjuntamente por Husserl, em 1922, nos seus Arquivos, sob o título: Contribuições à fundamentação filosófica da psicologia e das ciências do espírito2. A Fenomenologia de Husserl e de Stein, por partirem de uma visão não reducionista do ser humano, possibilita um fundamento mais amplo, profundo e integral para a psicologia e para as ciências humanas que estavam surgindo no início do século XX.

Com essa publicação, mesmo sem ter conseguido um cargo de professora universitária, Edith Stein passa a ser percebida como uma fenomenóloga de renome, reconhecida como tal pelo próprio fundador da Fenomenologia. Mas apensar se estar seguindo o caminho intelectual que tinha sonhado para si, Edith permanece insatisfeita e segue em sua busca interior.

Referências Bibliográficas:

STEIN, Edith. Zum Problem der Einfühlung. Edith Stein Gesamtausgabe, vl. 5. Freiburg–Basel–Wien: Herder, 2010 – 2ª edição, p. 133. [ESGA 5, p.133];

Versão espanhola: Escritos filosóficos. Etapa fenomenológica: 1915-1920. V. II. Burgos–Vitoria–Madrid: Ed. Monte Carmelo–Ed. el Carmen–Ed. de Espiritualidad, 2002, p. 199. [OCD II, p. 199].

STEIN, Edith. Beiträge zur philosophischen Begründung der Psychologie und der Geisteswissenschaften. ESGA 6. Freiburg–Basen–Wien: Herder, 2010

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