O termo transplante foi utilizado pela primeira vez, em 1778, pelo inglês John Hunter (1728-1793), pesquisador, anatomista e cirurgião. Transplante é a intervenção mediante a qual se enxerta em organismo humano (receptor) uma parte de outro organismo (doador), podendo este ser de origem humana ou animal, quer vivo ou morto, ou até mesmo mecânico. Em sentido amplo, transplante pode ser definido como “deslocamento de uma parcela maior ou menor de tecido ou de um órgão de uma parte do corpo para outra ou de um organismo para outro”.¹ A transplantação de órgãos visa, essencialmente, a socorrer pessoas com doenças terminais que afetam órgãos vitais (coração, rins, pâncreas, fígado etc.); é usada também para melhorar a qualidade de vida do paciente (transplante de ossos) ou mesmo para estética (transplante de pele).²
As partes enxertadas no receptor podem ser células, pequenas regiões de tecido, de pele, de cartilagens, ossos, córneas, válvulas cardíacas etc.; órgãos inteiros (rim, fígado, coração, pâncreas e genes). Numerosos transplantes já foram realizados com verdadeiro sucesso.
Você sabe o que é transplante de órgãos?
Mesmo com todo o aperfeiçoamento das técnicas de transplantes, ainda nos deparamos com alguns problemas relevantes: a insuficiência de órgãos para satisfazer as necessidades, os critérios de estabelecimento de morte, a compatibilidade doador-receptor, demora nas listas de espera, o transporte do órgão, o acompanhamento do paciente pós-transplante (manter o sistema imunológico do paciente controlado para evitar uma possível rejeição) entre outros.
O transplante de órgãos tem características diversas perante outras questões médicas, ou seja, não está restrito, em sentido clínico, à relação paciente-médico, depende ainda de um terceiro fator externo, que é o doador de órgãos. Embora transplantes sejam baseados em técnicas que são comuns na medicina, não podem ser realizados sem doações de órgãos.
Mesmo considerando o valor da doação de órgãos, para melhor ser avaliado o transplante a partir de considerações morais, é preciso conhecer a origem do órgão, se é doador vivo ou cadáver, é o que afirma o teólogo Marciano Vidal: “é mister distinguir, antes de mais nada, a doação de um tecido ou de um órgão por parte de uma ‘pessoa viva’ com vistas ao transplante e a extração de alguma parte do corpo de um cadáver”.³
Quando se trata de doador vivo?
Quando se trata de transplantes de pessoas vivas, ou seja, cujo doador é uma pessoa viva, Vidal afirma que a avaliação moral está fundamentada em dois princípios que se integram mutuamente: o primeiro é o princípio da indisponibilidade da vida própria e da própria integridade funcional. Este princípio preserva a vida da pessoa doadora. Para o autor, se a ciência protege a saúde do doador, não existe motivo de iliceidade.
O corpo do doador mantém suas funções fundamentais, ainda que doando uma parte importante dele; o segundo é a solidariedade, em virtude da qual cada um é chamado a dar algo de si a quem disso necessita. É um amar-se mútuo até o sacrifício de si mesmo. Por isso, mais do que falar de liceidade neste tipo de transplante, além do princípio da totalidade, poder-se-ia falar com maior verdade do princípio da solidariedade, socialidade e caridade.
O Papa São João Paulo II, em discurso aos participantes do XVIII Congresso Internacional sobre os transplantes, em agosto de 2000, ressaltou a grandeza do gesto de amor e solidariedade que se expressa de forma concreta pela doação de órgãos. O Papa cita a encíclica Evangelium Vitae: “Merece particular apreço a doação de órgãos feita segundo formas eticamente aceitáveis, para oferecer possibilidade de saúde e até de vida a doentes, por vezes já sem esperança”.5
Qualquer intervenção de transplante de órgãos, diz o Papa, tem origem, geralmente, numa decisão de grande valor ético: “A decisão de oferecer, sem recompensa, uma parte do próprio corpo, em benefício da saúde e do bem-estar de outra pessoa”.6 Nisto consiste a nobreza do gesto que se configura como um autêntico ato de amor e elimina toda a possibilidade de comercialização de órgãos.
O que diz a Lei brasileira dos transplantes entre vivos?
Capítulo III – Da Disposição de Tecidos, Órgãos e Partes do Corpo Humano Vivo para Fins de Transplante ou Tratamento. Lei no 9.434/1997: Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências.
Art. 9º É permitida à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos, órgãos e partes do próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes em cônjuge ou parentes consanguíneos até o quarto grau, inclusive, na forma do §40 deste artigo, ou em qualquer outra pessoa, mediante autorização judicial, dispensada esta em relação à medula óssea.
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(…) §3o Só é permitida a doação referida neste artigo quando se tratar de órgãos duplos, de partes de órgãos, tecidos ou partes do corpo cuja retirada não impeça o organismo do doador de continuar vivendo sem risco para a sua integridade e não represente grave comprometimento de suas aptidões vitais e saúde mental, e não cause mutilação ou deformação inaceitável, e corresponda a uma necessidade terapêutica comprovadamente indispensável à pessoa receptora.
§4o O doador deverá autorizar, preferencialmente, por escrito e diante de testemunhas, especificamente o tecido, órgão ou parte do corpo objeto da retirada.
§5o A doação poderá ser revogada pelo doador ou pelos responsáveis legais a qualquer momento antes de sua concretização.
Referências:
1 ESPINOSA, J. Questões de Bioética. São Paulo: Quadrante, 1998,p.46.
2 cf. COELHO, M. M., Xenotransplante: Ética e Teologia. São Paulo: Loyola, 2004, p.22.
3 VIDAL, Marciano, Dicionário de Teologia Moral. Aparecida: Editora Santuário, 1992. Ver especificamente o verbete “Transplantes humanos”, p.1237.
4 cf. VIDAL, Marciano, Dicionário de Teologia Moral, Verbete: Transplante de órgãos.
5 JOÃO PAULO II, Carta encíclica Evangelium vitae: sobre o valor e a inviolabilidade da vida humana. São Paulo: Paulinas, 995, no86.