A distanásia também é conhecida por obstinação terapêutica ou exagero terapêutico
O que se entende por distanásia? O Dicionário Aurélio traz a seguinte conceituação: “Morte lenta, ansiosa e com muito sofrimento”. O prefixo grego dis tem o significado de “afastamento” e thanatos significa “morte”, portanto, a distanásia significa prolongamento exagerado da morte de um paciente. O termo também pode ser empregado como sinônimo de tratamento fútil ou inútil. Trata-se da atitude médica que, visando salvar a vida do paciente terminal, submete-o a um grande sofrimento. Nesta conduta, não se prolonga a vida propriamente dita, mas o processo de morrer. De forma mais prática, a questão seria colocada da seguinte forma: até que ponto se deve prolongar o processo do morrer quando não há mais esperança de reverter o quadro, ou seja, quando a morte é iminente? Quando o médico pode desligar os aparelhos de uma pessoa em estado terminal?
Foto: Wesley Almeida/cancaonova.com
A distanásia consiste em atrasar o máximo possível o momento da morte, usando todos os meios desproporcionados ou proporcionados, ainda que não haja esperança alguma de cura e que signifique atribuir ao moribundo sofrimentos adicionais e que, obviamente, não conseguirão afastar a inevitável morte, apenas atrasá-la umas horas ou uns dias em condições deploráveis para o enfermo. Também pode ser utilizada como a forma de prolongar a vida de modo artificial, sem perspectiva de cura ou melhora. É a agonia prolongada, é a morte com sofrimento físico ou psicológico do indivíduo.
A distanásia, também conhecida por obstinação terapêutica, exagero terapêutico ou tratamento fútil, tornou-se problema ético de primeira grandeza à medida que o progresso técnico-científico passou a interferir, de forma decisiva, nas fases finais da vida humana. A presença da ciência e da tecnologia começam a intervir decisivamente na vida humana, e essa novidade exige reflexão ética.
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Critérios importantes a serem considerados
– Aos meios proporcionados (ordinários) somos sempre obrigados; aos desproporcionados (extraordinários), pode-se renunciar quando a morte é iminente.
– Entende-se por “desproporcionados” as terapias cuja aplicação compreende inconvenientes excessivos, tais como dor e custo em relação ao benefício que proporciona. Já “proporcionados”, de forma inversa, são as terapias cuja utilização se valora como obrigatória, uma vez que são obtidos benefícios razoáveis para o paciente em relação a seus inconvenientes.
– Deve-se ter presente as perspectivas concretas de recuperação. Ninguém é obrigado a uma terapia, cujo resultado seja uma vida vegetativa ou mesmo consciente, mas em condições muito precárias e por pouco tempo.
– Estritamente falando, a distanásia não é um erro.
Doutrina da Igreja Católica
O moderno pensamento ético-teológico defende que o próprio Deus delega o governo da vida à autodeterminação do ser humano, e isso não fere, muito menos se traduz numa afronta à sua soberania. Dispor da vida humana e intervir nela não fere o senhorio de Deus, se essa ação não for arbitrária. A perspectiva é responsabilizar o ser humano de uma maneira mais forte diante da qualidade da vida.
Eticamente, procura-se falar em antidistanásia, que é renunciar ao excesso terapêutico, isto é, deixar a pessoa humana morrer em paz sem recorrer aos meios extraordinários.1 Mais premente do que a questão da eutanásia, no Brasil, é a discussão sobre a prática da distanásia. Esse recurso consiste em empregar meios extraordinários ou desproporcionais para manter um paciente terminal.
Declaração sobre a eutanásia
“Se não há outros remédios, é lícito, com o acordo do doente, recorrer aos meios de que dispõe a medicina mais avançada, mesmo que eles estejam ainda em fase experimental e não seja isenta de alguns riscos a sua aplicação. Aceitando-os, o doente poderá dar também provas de generosidade ao serviço da humanidade. É também permitido interromper a aplicação de tais meios quando os resultados não correspondem às esperanças neles depositadas. Mas para tal decisão, ter-se-á em conta o justo desejo do doente e da família, como também o parecer de médicos verdadeiramente competentes; não estes, na realidade, que estão em melhores condições do que ninguém para poder julgar se o investimento de instrumentos e de pessoal é desproporcionado com os resultados previsíveis, e se as técnicas postas em ação impõem ao paciente sofrimentos ou contrariedades sem proporção com os benefícios que delas pode receber.
É sempre lícito contentar-se com os meios normais que a medicina pode proporcionar. Não se pode, portanto, impor a ninguém a obrigação de recorrer a uma técnica que, embora já em uso, ainda não está isenta de perigos ou é demasiado onerosa. Recusá-la não equivale a um suicídio; significa, antes, aceitação da condição humana, preocupação de evitar pôr em ação um dispositivo médico desproporcionado com os resultados que se podem esperar; enfim, vontade de não impor obrigações demasiado pesadas à família ou à coletividade.
Na iminência de uma morte inevitável, apesar dos meios usados, é lícito, em consciência, tomar a decisão de renunciar a tratamentos que dariam somente um prolongamento precário e penoso da vida, sem, contudo, interromper os cuidados normais devidos ao doente em casos semelhantes. Por isso, o médico não tem motivo para se angustiar, como se não tivesse prestado assistência a uma pessoa em perigo”.2
Carta Encíclica Evangelium Vitae
“Distinta da eutanásia é a decisão de renunciar ao chamado ‘excesso terapêutico’, ou seja, a certas intervenções médicas já inadequadas à situação real do doente, porque não proporcionadas aos resultados que se poderiam esperar ou ainda porque demasiado gravosas para ele e para a sua família. Nessas situações, quando a morte se anuncia iminente e inevitável, pode-se, em consciência, ‘renunciar a tratamentos que dariam somente um prolongamento precário e penoso da vida, sem, contudo, interromper os cuidados normais devidos ao doente em casos semelhantes’. Há, sem dúvida, a obrigação moral de se tratar e procurar curar-se, mas essa obrigação há de medir-se segundo as situações concretas, isto é, impõe-se avaliar se os meios terapêuticos à disposição são objetivamente proporcionados às perspectivas de melhoramento. A renúncia a meios extraordinários ou desproporcionados não equivale ao suicídio ou à eutanásia; exprime, antes, a aceitação da condição humana defronte à morte”.3
Prolongamento do processo de morrer
Para Leo Pessini, a distanásia é “uma como uma ação, intervenção ou procedimento médico que não atinge o objetivo de beneficiar a pessoa em fase terminal e que prolonga inútil e sofridamente o processo do morrer, procurando distanciar a morte; os europeus a chamam de obstinação terapêutica; e os norte-americanos, de medicina ou tratamento fútil e inútil”; e destaca que o “paradigma médico da benignidade humanitária e solidária e a teologia moral procuram outras abordagens na tentativa de resolver o dilema entre tratar o doente terminal em excesso (distanásia) ou deixar de tratá-lo o suficiente (eutanásia). Procuram mostrar que atribuir grande valor à vida humana não significa optar por uma frieza cruel diante do sofrimento e dor do paciente terminal”; para Pessini, “a medicina que atua dentro do paradigma da benignidade humanitária e solidária e opera com o conceito de saúde como bem-estar tende a optar por um meio-termo: nem matar, nem prolongar exageradamente o processo de morrer, mas procurar uma morte sem dor, na hora certa, cercada de ternura, enfim, digna”.4
Ainda Pessini, faz menção à Lei nº 10.241/99 do estado de São Paulo, que dispõe sobre os direitos dos usuários dos serviços e das ações de saúde no Estado. Elaborada, numa chave humanista, procura colocar o paciente no centro da questão dos cuidados de saúde, evitando a desumanização crescente das instituições de saúde, que torna a pessoa doente sempre mais um objeto passivo de cuidados. O inciso XXIII refere-se especialmente ao paciente terminal ou fora de possibilidades terapêuticas, como afirmam os especialistas em medicina paliativa. Ele assegura ao usuário ou a seu representante legal o direito de recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários que visam prolongar a vida. O inciso XXIV refere-se à escolha do lugar para se despedir da vida (local para morrer).5]
Na mesma linha de argumentação, ao comentar os incisos XXIII e XXIX da Lei nº 10.241, o teólogo moralista Márcio Fabri dos Anjos diz que: “O prolongamento não razoável, a qualquer custo, quando a hora da morte já chegou, é distanásia: do grego dis + thanasia, “morte lenta”, ansiosa e com muito sofrimento; pode ser até violência, uma vez que acaba submetendo a pessoa a recursos terapêuticos dolorosos ou degradantes, que não levam a nada; o inciso XXIII, portanto, dá substrato humano à terminalidade”.6
A distinção entre manter a vida e prolongá-la de modo subumano nos remete à utilização de meios terapêuticos ordinários e extraordinários em pacientes em fase terminal de vida. Daí porque é necessário fixar o momento a partir do qual a utilização de meio ordinário de terapia passa a extraordinário em pacientes em fase terminal de vida “com o objetivo de estabelecer medidas proporcionais para a própria condição ou estado de vida. Portanto, se alguma fosse muito custosa ou onerosa, ou se não oferecesse um benefício substancial para o paciente, não existia a obrigação moral de usá-la”.7
Referências:
1 Cf. JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Evangelium Vitae. n 65
2 CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Declaração sobre a eutanásia (05/5/1980).
Disponível em:
http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_19800505_euthanasia_po.html. Consultado em 25/06/2016.
3 JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Evangelium Vitae. n. 65. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/john-paul- ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_25031995_evangelium-vitae.html. Consultado em 25/06/2016.
4 Cf. PESSINI, Leo. Distanásia: algumas reflexões bioéticas a partir da realidade brasileira. Revista Bioética, 2005, p. 43-45. Disponível em: file:///C:/Users/Mario/Desktop/120-389- 1-PB.pdf. Consultado
5 Cf. PESSINI, Leo. Distanásia: algumas reflexões bioéticas a partir da realidade brasileira. Revista Bioética, 2005, p. 47. Disponível em: file:///C:/Users/Mario/Desktop/120-389- 1-PB.pdf. Consultado
6 Gouveia R. Saúde pública, suprema lei: a nova legislação para a conquista da saúde. São Paulo. Mandacaru, 2000, 168.
7 Pessini L. Distanásia: Até quando prolongar a vida? São Paulo: Centro Universitário São Camilo / Loyola; 2001, 270.