Uma decisão cristã

Existem condições para aderir à eutanásia?

No atual contexto, torna-se cada vez mais forte a tentação da eutanásia

Etimologicamente, a palavra “eutanásia” significava, na antiguidade, uma morte suave sem sofrimentos atrozes.

Hoje, já não se pensa tanto no significado originário do termo, mas sobretudo, na intervenção da medicina para atenuar as dores da doença ou da agonia, por vezes, mesmo com risco de suprimir a vida prematuramente.

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Acontece ainda que, o termo é utilizado num sentido mais particular, com o significado de “dar a morte por compaixão”, para eliminar radicalmente os sofrimentos extremos ou evitar às crianças anormais, aos incuráveis ou doentes mentais, o prolongamento de uma vida penosa, talvez por muitos anos, que poderia trazer encargos demasiado pesados para as famílias ou para a sociedade.

Por eutanásia, entendemos uma ação ou omissão que, por sua natureza ou nas intenções, provoca a morte, a fim de eliminar toda a dor.

A eutanásia situa-se, portanto, no nível das intenções e dos métodos empregados (cf. Documento da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé; “O Corpo humano e a Vida”; Cap. II; Sobre a Eutanásia, 1980). Portanto, consiste em todo tipo de terapia ou atuação que visa objetiva e intencionalmente, direta ou indiretamente, a antecipação da morte (pode ser por ação ou omissão).

Motivações para a utilização da eutanásia:

– Evitar dores e incômodos grandes ao paciente;

– Colocar fim à vida de feridos, estraçalhados em campos de batalha;

– Eliminar anciãos “inúteis” ou pacientes terminais;

– Por decisão do próprio paciente.

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Avaliação moral (razões):

-A inviolabilidade absoluta da vida humana;

– A consideração utilitarista da vida humana;

-O perigo da arbitrariedade, isto é, o uso ideológico e indiscriminado que pode ser feito pela autoridade ou profissionais da saúde;

-Por fim, cria-se uma mentalidade favorável à cultura da morte.

O que afirma o Catecismo da Igreja Católica (n. 2276-2279)

“Aqueles cuja vida está diminuída ou enfraquecida necessitam de um respeito especial. As pessoas doentes ou deficientes devem ser amparadas para levarem uma vida tão normal quanto possível. Sejam quais forem os motivos e os meios, a eutanásia direta consiste em pôr fim à vida de pessoas deficientes, doentes ou moribundas. É moralmente inadmissível.

Assim, uma ação ou uma omissão que, em si ou na intenção, gera a morte a fim de suprimir a dor, constitui um assassinato gravemente contrário à dignidade da pessoa humana e ao respeito pelo Deus vivo, seu Criador.

O erro de juízo, no qual se pode ter caído de boa-fé, não muda a natureza deste ato assassino, que sempre deve ser proscrito e excluído.

A interrupção de procedimentos médicos onerosos, perigosos, extraordinários ou desproporcionais aos resultados esperados pode ser legítima. É a rejeição da obstinação, da “obstinação terapêutica”. Não se quer dessa maneira provocar a morte; aceita-se não poder impedi-la.

As decisões devem ser tomadas pelo paciente, se tiver a competência e a capacidade para isso; caso contrário, pelos que têm direitos legais, respeitando sempre a vontade razoável e os interesses legítimos do paciente”.

“Só Eu é que dou a vida e dou a morte” (Dt 32, 39): o drama da eutanásia

No atual contexto, torna-se cada vez mais forte a tentação da eutanásia, isto é, de apoderar-se da morte, provocando-a antes do tempo e, deste modo, pondo fim docemente à vida própria ou alheia. Na realidade, aquilo que poderia parecer lógico e humano, quando visto em profundidade, apresenta-se absurdo e desumano […].

Distinta da eutanásia é a decisão de renunciar ao chamado “excesso terapêutico”, ou seja, a certas intervenções médicas já inadequadas à situação real do doente, porque não proporcionais aos resultados que se poderiam esperar ou ainda porque demasiado gravosas para ele e para a sua família.

Nestas situações, quando a morte se anuncia iminente e inevitável, pode-se em consciência ‘renunciar a tratamentos que dariam somente um prolongamento precário e penoso da vida, sem, contudo, interromper os cuidados normais devidos ao doente em casos semelhantes’.

Há, sem dúvida, a obrigação moral de se tratar e procurar curar-se, mas essa obrigação há de medir-se segundo as situações concretas, isto é, impõe-se a avaliar os meios terapêuticos à disposição, se esses são objetivamente proporcionados às perspectivas de melhoramento.

A renúncia a meios extraordinários ou desproporcionados não equivale ao suicídio ou à eutanásia; exprime, antes, a aceitação da condição humana defronte a morte.

Quem deve viver e quem deve morrer

A decisão da eutanásia torna-se mais grave quando se configura como um homicídio, que os outros praticam sobre uma pessoa que não a pediu de modo nenhum, e nem deu qualquer consentimento para que fosse realizada.

Atinge-se, enfim, o cúmulo do arbítrio e da injustiça, quando alguns, médicos ou legisladores, se arrogam o poder de decidir quem deve viver e quem deve morrer. Aparece, assim, reproposta a tentação do Éden: tornar-se como Deus “conhecendo o bem e o mal” (cf. Gn 3,5). Mas Deus é o único que tem o poder de fazer morrer e de fazer viver: “Só Eu é que dou a vida e dou a morte” (Dt 32,39; cf. 2Re 5,7; 1Sm 2,6).

Ele exerce o seu poder sempre e apenas segundo um desígnio de sabedoria e amor. Quando o homem usurpa tal poder, subjugado por uma lógica insensata e egoísta, usa-o inevitavelmente para a injustiça e a morte.

Assim, a vida do mais fraco é abandonada às mãos do mais forte; na sociedade, perde-se o sentido da justiça e fica minada pela raiz a confiança mútua, fundamento de qualquer relação autêntica entre as pessoas (JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Evangelium Vitae. n. 64.66).

Em muitas situações existem pressões econômicas e interesses políticos, tanto no caso da distanásia como no da eutanásia. Doentes terminais, eventualmente, são submetidos à eutanásia, porque a UTI custa caro. Os bispos latino-americanos declaram: “Condenamos todo menosprezo, diminuição ou injúria às pessoas e seus direitos inalienáveis; todo atentado contra a vida humana, desde a que está oculta no seio materno até a que se julga inútil e que definha na velhice […]” (Conferência Geral do Episcopado Latino-americano. Puebla de Los Angeles, México, São Paulo: Paulinas, 1979. n. 318).

Proteger a morte

Hoje, é muito importante proteger, no momento da morte, a dignidade da pessoa humana e a concepção cristã da vida contra um “tecnicismo”, que corre o perigo de se tornar abusivo.

De fato, há quem fale de “direito à morte”, expressão que não designa o direito de se dar ou mandar provocar a morte como se quiser, mas o direito de morrer com serenidade, na dignidade humana e cristã.

Sob esse ponto de vista, o uso dos meios terapêuticos pode, às vezes, levantar alguns problemas (cf. Documento da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé. O Corpo humano e a Vida. Cap. II- Sobre a Eutanásia, 1980).

A eutanásia, entendida como “ação ou omissão que, por sua natureza e intenção, causa a morte com a finalidade de evitar qualquer dor”, é um pecado grave segundo a Igreja.

Podemos equipará-la ao suicídio/homicídio, à decisão de acabar com a vida de um paciente, mesmo com o argumento de que se age por compaixão, para eliminar um sofrimento insuportável. Suicídio, porque a eutanásia supõe o pedido ou o assentimento do doente. Homicídio, porque a morte é executada pelo médico.

Em qualquer Igreja Católica que entrarmos, veremos Jesus sofrendo na Cruz. Isso simboliza para nós, cristãos, um “chamado” a sermos pacientes como Ele. Ou seja, não devemos dar fim de nossas vidas ou da dos outros, pura e simplesmente.