Se, no artigo anterior, eu propus um questionamento fundamental acerca da morte (“perante a morte, o que realmente tem valor?”), neste artigo, quero propor um segundo questionamento não menos importante: “pelo que você estaria disposto a morrer neste exato momento?”. Essa segunda pergunta é fundamental para percebermos se estamos vivendo de forma coerente ou não. Afinal de contas, você concorda que, se chegarmos à conclusão de que estamos dispostos a morrer por ‘algo’, deveríamos também estarmos vivendo por esse ‘algo’?
Vou dar um exemplo bem prático. Se disséssemos que seríamos capazes de morrer, hoje, por nossos filhos, certamente já estamos vivendo por e para eles. No mínimo, deveríamos estar vivendo para cuidar deles com amor, carinho, dedicação e respeito. Tudo o que formos fazer, eles deveriam ser levados em conta.
Vou dar outro exemplo bem simplório: se alguém dissesse que seria capaz de morrer pelos seus passarinhos, certamente, essa pessoa já estaria vivendo por eles. Ela “respira” passarinho! Se for preciso, deixa de dormir por causa deles, tem gastos altos para cuidar de suas aves, compra as melhores rações e está convencido de que vale a pena tamanha dedicação.
Você tem a sincera disposição de morrer por uma causa?
Há muitas pessoas dispostas a morrer por diversas outras causas, sendo elas moralmente razoáveis ou não. Algumas são capazes de dar a vida em alguma profissão, por alguma ideologia ou forma de pensar. Repito: se essas pessoas são capazes de dar a vida por alguma causa, ela deveria viver por essa causa, do contrário, ela estaria sendo incoerente. Se alguém dissesse, por exemplo, que seria capaz de morrer por Cristo e não se esmera por viver Seus mandamentos, estaria sendo incoerente consigo.
Outra possibilidade pode existir. Pense em alguém que, ao analisar sua vida, percebe que não há nada pelo qual morreria. Nesse caso, existe uma chance dessa pessoa estar tão apegada nas realidades terrenas que a faz considerar a morte como algo a ser rejeitado, ou, até mesmo, não considerável. Provavelmente, esteja faltando para ela um sentido maior para a vida.
Não ter um sentido na vida é um atropelo para a existência humana. A rigor, não se trata de uma questão da simples vontade, mas de ser. Não fomos apenas criados e “ponto final”, fomos criados “por” e “para” algo. Uma das mais belas expressões encontradas no Catecismo da Igreja Católica afirma que o homem é “capax Dei” (capaz de Deus).
A esse respeito, veja a clareza dessa afirmação contida no Catecismo da Igreja Católica, no parágrafo 27: “O desejo de Deus é um sentimento inscrito no coração do homem porque o homem foi criado por Deus e para Deus. Deus não cessa de atrair o homem para Si e só em Deus é que o homem encontra a verdade e a felicidade que procura sem descanso”. Portanto, fomos criados “por Deus e para Deus”. Eis o sentido da nossa vida!
Preparemo-nos hoje para morrer
O livro de espiritualidade “Imitação de Cristo” nos dá uma preciosa direção: “em todas as tuas ações, em todos os teus pensamentos, deverias comportar-te como se tivesses de morrer hoje. Se tua consciência estivesse tranquila, não terias muito medo da morte. Se não estás preparado, hoje, como o estarás amanhã?” (cf. CIC 1014). Em outras palavras, precisamos estar preparados para morte todos os dias, afinal, não sabemos quando ela vai chegar.
Nós, missionários na Comunidade Canção Nova, aprendemos com o nosso fundador, monsenhor Jonas Abib, a fazermos, mensalmente, um retiro chamado “Retiro da Boa Morte”. Em resumo, esse retiro nos leva a fazer uma boa preparação para a morte. Todos os meses, paramos por algumas horas e fazemos uma verdadeira faxina em todos os nossos pertences. Limpamos e organizamos nossa mesa de trabalho, gavetas, guarda roupa, armário, escrivaninha, carteira, arquivos do computador, caixa de e-mail, celular, seja o que for. Tudo o que não nos serve mais é descartado ou doado. Permanecemos apenas estritamente com o necessário.
Além disso, esforçamo-nos para fazer um bom exame de consciência, para, em seguida, buscarmos confissão. Uma vez que retiramos os entulhos da nossa vida material, virtual e espiritual, estamos prontos para morrer. Não se trata de um retiro triste, deprimido, angustiante, pelo contrário, eleva a nossa alma e nos deixa mais livres. Monsenhor Jonas, nos seus escritos, diz-nos que o “segredo para viver bem é estar preparado para bem morrer”.
Leia mais:
.: Saiba como fazer o “Retiro da Boa Morte”
.: Primeira parte: o sentido da morte para os cristãos
.: Diante da morte, como reagir e superar o medo?
.: Como podemos falar sobre a morte com as crianças?
Afinal, o que o Catecismo da Igreja Católica apresenta sobre a morte?
Quero fazer uma pequena síntese do sentido da morte cristã tendo como base o pensamento da Igreja. Em primeiro lugar, graças a Cristo, a morte cristã tem um sentido positivo. Para os que creem n’Ele, a vida não acaba, apenas se transforma: o exílio terrestre deixa de ser morada para que, no céu, se adquira a habitação eterna.
Outro aspecto vital no ensinamento da nossa fé (e que aparece sem hesitação no Catecismo da Igreja Católica) afirma não existir “reencarnação” depois da morte. A Igreja Católica crê que Deus, no último dia, restituirá a vida incorruptível ao corpo transformado pela morte física. O corpo corruptível que jaz no túmulo ressuscitará como um corpo incorruptível, quer dizer, um corpo espiritual.
Assim, ela nos exorta a estarmos sempre preparados para o derradeiro momento, a hora da nossa morte: “louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã a morte corporal, à qual nenhum homem vivo pode escapar. Ai daqueles que morrem em pecado mortal” (cf. CIC 1014).
Para finalizar, quero citar o capítulo sétimo de Eclesiastes: “[…] o dia da morte é melhor do que o dia do nascimento. É melhor ir a uma casa onde há luto do que a uma casa em festa, pois a morte é o destino de todos; os vivos devem levar isso a sério!” (Ecle 1,1-2).
No artigo de amanhã, conheceremos uma linda reflexão de origem judaica sobre a morte. Não deixe de ler.
Deus abençoe você e até a próxima!