O amor significa que depende-se de alguma coisa que, talvez, possa ser tirada de mim
Apoiei-me, neste ponto, em Santo Agostinho que, por sua vez, recorre à tradição catequética cristã precedente que representou toda história como uma luta entre dois estados, entre duas comunidades de cidadãos. Goethe retomou essa concepção e disse que a história é, no seu todo, uma luta entre a fé e incredulidade. Santo Agostinho fez uma interpretação um pouco diferente, dizendo que é uma luta entre dois tipos de amor, entre o amor a Deus até a renúncia a si mesmo, e o amor a si mesmo até a negação de Deus.
Apresentou, portanto, a história como um drama da luta entre dois tipos de amor. Procurei precisar um pouco mais essa ideia ao dizer que, o movimento contrário, na realidade, não é outro amor; nem merece o nome de amor, mas é a recusa dele. A história é, no seu todo, a luta entre o amor e a incapacidade de amar, entre o amor e a recusa do amor. É o que, atualmente, voltamos a viver, quando a independência do homem é levada ao ponto de dizer: “Não quero amar, porque então, torno-me dependente, o que contraria a minha liberdade“.
Qual será o drama da história?
Na realidade, o amor significa que depende-se de alguma coisa que, talvez, possa ser tirada de mim e, por isso, traz um enorme risco de sofrimento para minha vida. Daí vem a recusa pronunciada ou não pronunciada: “Prefiro não amar a ter de me expor constantemente a esse risco, a ser limitado na determinação de mim mesmo, de depender do que não depende de mim e a poder, por isso, precipitar-me, de repente, no nada”. A decisão da parte de Cristo é, contudo, outra: sim ao amor, porque só ele, precisamente com risco de sofrimento ou de perda de si mesmo, é que envolve, leva o homem a si próprio e o leva àquilo que ele deveria ser.
Penso que esse é, realmente, o verdadeiro drama da história; na multiplicidade das frentes contrapostas umas às outras, a história pode ser reconduzida, em uma análise, a esta fórmula: sim ou não ao amor.
E o que Deus realmente quer de nós?
Quer que nos tornemos pessoas que amam, porque então somos imagens d’Ele. Porque Ele é, como nos diz São João, o amor, quer que haja criaturas que sejam semelhantes a Ele; criaturas que, a partir da liberdade do seu amor se tornam como Ele e Lhe pertençam e, desse modo, irradiam, por assim dizer, a luz d’Ele mesmo.
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Do livro “O Sal da Terra: o Cristianismo e a Igreja Católica no século XXI: Um diálogo com Peter Seewald/Joseph Ratzinger” – Rio de Janeiro: Imago Ed. pg 222/3; 2005, 2a edição.