O Deus dos índios e o Deus dos cristãos

No dia 10 de setembro, os meios de comunicação informaram que, numa cidade do Mato Grosso do Sul, um índio de 102 anos matou a pauladas a esposa de 107 anos. Um detalhe: o índio era pajé e estava embriagado.
A notícia me pareceu tão absurda quanto inverossímil. Primeiramente, pela idade do casal. Não sei há quantos anos viviam juntos como marido e mulher, mas tudo levaria a crer que, a esta altura da vida, a sabedoria e a paciência não se coadunassem com tamanha violência.

A única explicação é a bebida, capaz de transformar um velho de 102 anos num assassino. Nem lhe foi de ajuda suficiente o fato de ser um homem da religião, com a tarefa de ensinar ao povo o caminho do bem e do amor.

O fato me fez lembrar as palavras que Bento XVI dirigiu a todas as pessoas de boa vontade no dia 24 de abril de 2005, ao iniciar o seu serviço pastoral à Igreja e ao mundo: «Não temam: abram de par em par as portas a Cristo! Quem deixa Cristo entrar, não perde nada – absolutamente nada – do que faz a vida livre, bela e grande! Não tenham medo de Cristo! Ele não tira nada e dá tudo. Quem se dá a ele, recebe cem por um. Sim, abram as portas a Cristo e encontrarão a verdadeira vida!».

Ao me perguntar se nesse veemente convite pudessem estar incluídos também os índios, encontrei a resposta nas palavras pronunciadas pelo mesmo Papa, em Aparecida, no dia 13 de maio, ao abrir a 5ª Conferencia dos Bispos da América Latina e do Caribe: «O anúncio de Jesus e de seu Evangelho não supôs, em nenhum momento, uma alienação das culturas pré-colombianas, nem foi uma imposição de uma cultura estranha. Para os povos pré-colombianos, a evangelização significou conhecer e acolher a Cristo, o Deus desconhecido que seus antepassados, sem o saber, procuravam em suas ricas tradições religiosas. Cristo era o Salvador que desejavam silenciosamente. A utopia de voltar a dar vida às religiões pré-colombianas, separando-as de Cristo e da Igreja universal, não seria um progresso, mas um retrocesso, uma involução para um momento histórico ancorado no passado».

Evidentemente, por ser composta de pessoas humanas, a Igreja nem sempre foi feliz na escolha da metodologia, como Bento XVI reconheceu, pouco depois, no dia 23 de maio, ao voltar para Roma: «A recordação de um passado glorioso não pode ignorar as sombras que acompanharam a obra de evangelização do continente latino-americano: não é possível esquecer os sofrimentos e as injustiças que infligiram os colonizadores às populações indígenas, pisoteadas em seus direitos humanos fundamentais. Mas, a obrigatória menção desses crimes injustificáveis – já condenados por missionários como Bartolomeu de las Casas e por teólogos como Francisco de Vitória, da Universidade de Salamanca – não deve impedir de reconhecer com gratidão a admirável obra realizada pela graça divina entre essas populações ao longo destes séculos».

Apesar destes limites e falhas, é inútil iludir-se: mesmo que não o saiba ou o negue, a pessoa humana – seja ela negra ou branca, amarela ou vermelha só se realiza verdadeira e plenamente no encontro íntimo e profundo com Cristo. Nesse ponto, em Aparecida, Bento XVI foi taxativo: «Se não conhecemos a Deus em Cristo e com Cristo, toda a realidade se torna um enigma indecifrável; não há caminho e, não havendo caminho, não há vida nem verdade».
Não faz muito, alguém me perguntou: «Por que se preocupar com a evangelização dos índios se o Deus deles e o nosso se identificam?»
Sem dúvida, Deus é um só e sempre o mesmo. Mas a compreensão que as religiões e as pessoas têm dele, varia tanto que, não poucas vezes, ela chega a ser não só oposta, mas até mesmo contraditória. Não foi por isso que São Paulo e os demais apóstolos saíram pelo mundo afora, pregando um evangelho novo e diferente? Será a mesma coisa ser imagem e semelhança do Deus de Maomé ou do Deus de Jesus Cristo?

Com a encarnação de Jesus, iniciou-se uma nova etapa na história da humanidade. Não se podem jogar todas as crenças e religiões no mesmo cesto!
O Deus dos cristãos não é solidão e isolamento, mas uma comunidade de pessoas tão unidas que formam uma única realidade, cuja essência é o amor. «E, se Deus é amor, nós também devemos amar-nos uns aos outros» (1Jo 4, 11). É por isso que se pode dizer: «Dize-me o Deus que adoras, e eu te direi quem és!».