A vida dos cristãos conhece etapas de maior intensidade, chamadas de tempos fortes, nas quais não se tira o valor das outras fases do ano, mas se abastece a vida espiritual, em vista do caminho a ser percorrido. Quem é cristão se reconhece peregrino do Absoluto, chamado a conquistar muitas outras pessoas, pela palavra e pelo testemunho de vida, para que toda a humanidade caminhe rumo a Deus, realizador de todas as esperanças humanas.
Tempo especial é a Quaresma, verdadeira academia de exercícios espirituais, destinados a fortalecer a vida na fé. Nossa proposta para o tempo quaresmal pede maior dedicação à oração, caridade vivida e mortificação ou penitência. Pessoalmente ou em grupos que se reúnem nas famílias, comunidades e paróquias, queremos rezar mais e melhor. A caridade, além das práticas pessoais, reveste-se do rosto de Campanha da Fraternidade, com a qual queremos dar nossa contribuição para uma maior consciência diante do planeta em que vivemos, que geme em dores de parto (cf. Rm 8, 22), aguardando a manifestação dos filhos de Deus (cf. Rm 8, 19), para enfrentarmos juntos os desafios decorrentes do trato inadequado da natureza, especialmente quanto ao aquecimento global da terra. Mortificação e penitência serão nossos esforços para educar os sentimentos e a vontade, tantas vezes flácidos pelo acomodamento e passividade. Somos chamados a dar novo ânimo à sociedade, muitas vezes, carente dos grandes ideais que podem transformá-la ou, mais ainda, transfigurá-la.
Ao iniciar nossa peregrinação quaresmal, olhando uns para os outros e para dentro, somos chamados a reconhecer os limites e possibilidades da humanidade, passando pelos desertos da vida ou no meio das multidões. Vem ao nosso encontro o Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Passando pelas estradas do mundo e convivendo com Seus primeiros discípulos, estes se manifestaram temerosos diante dos desafios, assustados com a perspectiva da Cruz anunciada pelo Senhor. Num gesto de atenção e carinho, escolhe dentre eles três testemunhas: Pedro, Tiago e João, gente de amizade provada, levando-os a um monte que a tradição localizou no Tabor (cf. Mt 17, 1-9). Era carinho de Deus para que lhes fosse afastado o escândalo da Cruz!
Subiram para rezar (cf. Lc 9, 28)! E já começa a mudança, pois quem se eleva em direção a Deus carrega consigo o mundo e já limpa seus olhos. Quem reza vê mais longe e vê melhor! E estavam unidos, com a presença de Jesus, que se transfigurou diante deles. Amigos que rezam juntos! Tudo pronto para se revelar a face gloriosa de Cristo!
Como delicadeza diante daqueles que, bons judeus, sabiam ser necessárias duas testemunhas para assegurar a veracidade de um fato, permite-lhes ver nada menos do que Moisés e Elias, a Lei e os Profetas! Aquele a quem seguiam era de verdade o Prometido. Mais ainda: a voz do Pai e o sinal da presença do Espírito Santo na nuvem luminosa. Mergulharam na vida da Santíssima Trindade, condescendência infinita para com aqueles que representavam toda a humanidade e a imensa multidão dos discípulos dos séculos afora, até o fim dos tempos.
Foi-lhes recomendado silêncio até que a glória viesse completa, na Ressurreição do Senhor, também para que muitos aceitassem fazer a maravilhosa aventura da fé, sem medo de ser discípulos! É necessário primeiro arriscar-se na fé! A visão vem depois e o risco é nosso! Serenidade e calma, um passo depois do outro, e o dia se faz!
Ouso entrar no coração dos discípulos da transfiguração e imaginar seus olhos depois da transfiguração de Jesus Cristo. Sua visão não era mais turva, mas conseguiam entender o que vem depois dos fatos, dos mais corriqueiros aos mais dolorosos. Eis o testemunho de Pedro: “Efetivamente, ele recebeu honra e glória da parte de Deus Pai, quando do seio da esplêndida glória se fez ouvir aquela voz que dizia: “Este é o meu Filho bem-amado, no qual está o meu agrado. Esta voz, nós a ouvimos, vinda do céu, quando estávamos com ele na montanha santa. E assim se tornou ainda mais firme para nós a palavra da profecia, que fazeis bem em ter diante dos olhos, como uma lâmpada que brilha em lugar escuro, até clarear o dia e levantar-se a estrela da manhã em vossos corações” (II Pd 1, 17-19).
Os cristãos, tendo conhecido seus limites compartilhados com todos os seres humanos, mas acolhidos na estrada da felicidade que desemboca na ressurreição, sabem ser portadores, se viverem unidos em nome de Jesus, do segredo da luz. Podem ser radiantes de felicidade e comunicá-la aos outros. É a maravilhosa vocação do cristão, que no monte ou na planície, caminha para Deus, com Deus e com toda a humanidade. Olhos límpidos lavados por Deus para enxergar o bem e espalhá-lo com alegria!