Na Quarta-feira de Cinzas, após o carnaval – tempo aproveitado para repouso, viagem, folia, e também para retiros espirituais e orações -, a Igreja Católica inicia o seu itinerário quaresmal. São quarenta dias de percurso, marcados especialmente pela escuta atenta e amorosa da Palavra de Deus. Simbolicamente, recorda o caminho de Moisés, no êxodo, conduzindo o povo de Deus na conquista da Terra Prometida, virando a página da escravidão. É, também, referência significativa aos quarenta dias em que Cristo, o Messias, esteve no deserto, tentado pelo diabo, como narra o evangelista Mateus. Esse tempo configura os passos da vitória definitiva do bem sobre o mal, da vida sobre a morte, do amor sobre o ódio. O itinerário quaresmal, portanto, no seu significado educativo e litúrgico, por quarenta dias conduz ao Tríduo Pascal os que aceitam o convite para a conversão – em particular para a grande vigília na noite santa da Ressurreição do Senhor Jesus. Em questão está a vida, vida de todos, de cada dia, a definitiva. Aquela que nunca passa, que só é conquistada por Cristo Ressuscitado e por aqueles que, na Sua graça, experimentam essa ventura oferecida a todos.
O Papa Bento XVI, na sua mensagem quaresmal, sublinha que este é um tempo litúrgico muito precioso e importante para a Igreja. É também significativo para todos aqueles que querem qualificar a própria vida. Reorientá-la para o bem e garantir um percurso saudável e pautado nos valores, que são garantia de paz, justiça e amor. Os membros da comunidade eclesial são chamados, pela fé celebrada, a intensificar o seu caminho de purificação no espírito, ressalta o Pontífice, para haurir com mais abundância o mistério da redenção, a vida nova em Cristo. O Santo Padre relembra que essa vida nova é transmitida no dia do batismo – dia de graça – quando inserido na Morte e Ressurreição de Cristo inicia-se “a aventura jubilosa e exultante do discípulo de Jesus”. Na oportunidade, recorda-se que o batismo é a misericórdia de Deus, que lava do pecado e permite viver. Assim, o apóstolo Paulo advertia os membros da comunidade cristã dos filipenses de que deveriam experimentar na própria existência os mesmos sentimentos de Jesus Cristo, definindo-se a meta da vida de todos os que n’Ele creem. Essa conquista é fruto da graça, graça de Deus que nos leva a alcançar a estatura adulta de Cristo.
O Sumo Pontífice faz um convite para que se compreenda o itinerário quaresmal na sua mais profunda significação, iluminando a condição batismal de todos. A Vigília Pascal, que conclui o caminho quaresmal e abre um tempo especial de graças, inclui a celebração do batismo, sacramento que realiza o grande mistério pelo qual o homem morre para o pecado. Torna-se participante da vida nova em Cristo Ressuscitado e recebe o mesmo Espírito de Deus, que ressuscitou Jesus dos mortos.
A Quaresma, como diz o Santo Padre, é um percurso semelhante ao do catecumenato, uma escola insubstituível de fé e de vida cristã. Trata-se de algo decisivo para a existência toda. Leva a uma vivência mais autêntica e consciente da condição de batizado, que assume, pelo sustento da graça e da conversão, as consequências e os compromissos de uma vida inserida em Cristo, em quem se encontra a única razão para fazer do próprio viver partilha e oferta na construção de vida digna e justa para todos. A escuta da Palavra de Deus, assinala o Papa, é a atitude mais adequada desse itinerário, para um encontro fecundo com o Senhor. A qualidade da vida familiar, pessoal e a vida do planeta – responsabilidade cidadã de todos – depende de muitos fatores, condições e circunstâncias. O tempo da Quaresma é próprio para a conscientização do lugar primeiro dado a Deus em Cristo, que caminha e se oferece por todos.
O caminho se constrói com a força da Palavra de Deus proclamada, que ilumina cada semana desses quarenta dias. É um convite para tomar consciência da própria fragilidade humana, abrir o coração e acolher a graça que liberta do pecado e infunde, em quem aceita, a força nova em Cristo. Esse convite é para enfrentar os dominadores deste mundo no qual, adverte Bento XVI, o diabo é ativo e não cansa de tentar o homem que deseja se aproximar de Deus. É hora de aceitar o convite divino para seguir e viver o itinerário quaresmal.