Marca da vida

A transitoriedade das coisas

A efemeridade das coisas revela que não devemos viver apegados

Uma das reflexões mais profundas que podemos fazer é sobre a efemeridade de todas as coisas que envolvem nossa existência. Deus dispôs tudo de modo que nada fosse sem fim aqui nesta vida. Qual seria o desígnio do Senhor nisso? A cada dia de nossas vidas, temos de renovar uma série de procedimentos: dormir, tomar banho, alimentar-nos, entre outros. Tudo é precário, nada é duradouro, por isso, tudo deve ser repetido todos os dias.

A própria manutenção da vida depende do bater interminável do coração e do respirar contínuo dos pulmões. Todo o organismo repete, sem cessar, suas operações para a vida se manter. Tudo é transitório… nada, eterno. Toda criança se tornará, um dia, adulta e, depois, idosa. Toda flor que se abre, logo estará murcha. Todo dia que nasce, logo se esvai… e assim tudo passa, tudo é transitório. Por que será? Qual a razão de nada ser duradouro? Compra-se uma camisa nova, e, logo, já está surrada; compra-se um carro novo, e logo este estará bastante rodado e vencido por novos modelos… E assim por diante.

Foto ilustrativa: Wesley Almeida/cancaonova.com

A razão inexorável dessa precariedade das coisas também está nos planos de Deus. Por mais durável que seja um objeto, depois de algum tempo estará velho ou obsoleto. A marca da vida é a renovação. Tudo nasce, cresce, vive, amadurece e morre. O fundamento profundo dessa realidade tão transitória é a lição cotidiana que Deus nos quer dar de que esta vida é apenas uma passagem, um aperfeiçoamento, em busca de uma vida duradoura, eterna, perene.

Olhos fixos no que não passa

Em cada flor que murcha e em cada homem que falece, sinto Deus nos dizer: “Não se prendam a esta vida transitória. Preparem-se para aquela que é eterna, quando tudo será duradouro, e nada precisará ser renovado dia a dia.” E isso mostra-nos também que a vida está em nós, mas não é nossa. Quando vemos uma bela rosa murchar, é como se ela estivesse nos dizendo que a beleza está nela, mas não lhe pertence.

Certa vez, um sacerdote, já cansado, me dizia que desejava ir logo para Deus, levar uma vida mais estável; então, não mais precisaria tomar banho todos os dias nem usar desodorante para não ficar com o corpo malcheiroso. Aquele sacerdote já estava cansado da transitoriedade da vida e já ansiava pela vida permanente.

Com a precariedade da vida e de tudo o que nos cerca, Deus nos ensina, diária e constantemente, que tudo passa e que não adianta querermos construir o céu, aqui, nesta terra. Ainda assim, mesmo com essa lição permanente dada pelo Senhor, muitos de nós somos levados a viver como aquele homem rico, do qual fala uma das parábolas narradas por Jesus. Ele abarrotou seus celeiros de víveres e disse à sua alma: “Descansa, come, bebe e regala-te” (Lc 12,19b); ao que Deus lhe disse: “Insensato! Nesta noite ainda exigirão de ti a tua alma” (Lc 12,20a).

Viver para o outro

A efemeridade das coisas é a maneira mais prática e constante que Deus encontrou para nos dizer, a cada momento, que aquilo que não passa, que não se esvai, que não morre, é aquilo de bom que fazemos para nós mesmos e, principalmente, para os outros. Os talentos multiplicados no dia-a-dia, a perfeição da alma, buscada na longa caminhada de uma vida de meditação, de oração, de piedade, essas são as coisas que não passam, que o vento do tempo não leva e que, finalmente, nos abrirão as portas da vida eterna e definitiva, quando “Deus será tudo em todos” (cf. I Cor 15,28b).

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A transitoriedade de tudo o que está sob os nossos olhos deve nos convencer de que só viveremos bem esta vida se a vivermos para os outros e para Deus. São João Bosco dizia que “Deus nos fez para os outros”. Só o amor; a caridade, o oposto do egoísmo, podem nos levar a compreender a verdadeira dimensão da vida e a necessidade da efemeridade terrena.

Buscar o céu

Se a vida na terra fosse incorruptível, muitos de nós jamais pensaríamos em Deus e no céu. Acontece que Ele tem para nós algo muito mais sublime do que temos e conhecemos, aquela vida que levou São Paulo a exclamar: “Coisas que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou, tais são os bens que Deus tem preparado para aqueles que o amam” (1 Cor 2,9).

A corruptibilidade das coisas da vida deve nos convencer de que Deus quer para nós uma vida muito melhor do que esta – uma vida junto Dele. E, para tal, o Senhor não quer que nos acostumemos com esta, mas que busquemos a outra, na qual não haverá mais sol porque o próprio Deus será a luz, e não haverá mais choro nem lágrimas. Aqueles que creem na eternidade jamais se conformarão com a precariedade desta vida terrena, pois sempre sonharão com a construção do céu nesta terra. Para os que creem, a efemeridade tem sentido: a vida não será tirada, mas transformada; o “corpo corruptível se revestirá da incorruptibilidade” (cf. 1 Cor 15,54) em Jesus Cristo.


Felipe Aquino

Professor Felipe Aquino é viuvo, pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova. Página do professor: www.cleofas.com.br e Twitter: @pfelipeaquino