Um testemunho de conversão

Eis um testemunho e não uma apresentação sobre o aborto. Desculpas antecipadas, pois poderia parecer uma apresentação muito pessoal. Nasci na fé judia e de tradição hebraica. Por uma série de circunstâncias, que não mencionarei, perdi a fé completamente em minha infância e adolescência, a ponto de chegar a ser chamado de judeu ateu. Então, sem moral centrada em Deus e, impulsionado por firme dedicação a uma situação relativista e também uma moral relativista ou de situação, coloquei-me, imediatamente, a serviço do pior e mais completo dos males: o ataque à vida. Fui um dos organizadores do NARAL (National Abortion and Reproductive Rights Action League), nos Estados Unidos, que era um grupo cabalístico poderoso para lutar contra todas as leis que se opunham ao aborto. Percorri os Estados Unidos inteiro e estive em outros países, nesta cruzada a favor do aborto. Simultaneamente, fui Diretor da maior Clínica de Abortos do mundo ocidental e durante dois anos “fui totalmente responsável por 75.000 (setenta e cinco mil) abortos”.

Falo-lhes, agora, de minha conversão à vida, médica e cientificamente, sem dúvida, uma conversão incompleta. Minha conversão à vida, deu-se, de maneira clara, pela minha compreensão cada vez maior, da vida das pessoas e, sobretudo, da vida e do ciclo da vida desse pequeno ser humano, tão pequeno e vulnerável, que se encontra no ventre materno. No início dos anos 70, havia uma grande quantidade de informações, que me foram convencendo de que se tratava de um ser humano em toda a extensão da palavra. Era alguém que tinha uma moral, uma dignidade e, que necessitava de proteção e intervenção. Contudo, não foi tanto a informação científica, mas a mão de Deus em mim. Deus que me fez compreender essa informação. Eis o crucial, não apenas o acúmulo de informação, mas a capacidade de assumi-la e trabalhar com perspectivas novas, que alguns chamaram uma troca de paradigmas, de opinião e, isto se deve a Deus que me deu tal capacidade.

Com o passar do tempo, na década de 70, todas as razões sociais e médicas para o aborto, não as aceitava mais. Atualmente, creio que não há razões sociais, econômicas, médicas, psicológicas para o aborto; não há razão alguma. Tive, então, oportunidade de compreender minha missão como médico e doutor, através da leitura da Encíclica do Papa João Paulo II, a qual afirma que a missão de gerar a vida não deve estar exposta à vontade arbitrária do homem. Deve-se reconhecer os limites invioláveis do homem quanto ao seu corpo que a ninguém é permitido ultrapassar.

Não se pode suprimir tais limites, por respeito à integridade do organismo humano e suas funções de acordo com os princípios anteriormente mencionados e, conforme a compreensão correta do princípio da totalidade ilustrado pelo Papa Pio II.

Minha conversão científica e médica à vida, moralmente incompleta, exigia dois elementos:

1º. converter-me-ia em defensor da vida, publicamente, da mesma forma como antes participava de sua destruição;

2º. a busca da fé, em que poderia basear mais firmemente minas convicções em fora da vida. Não basta compreender que não devemos matar; sou contra toda forma de assassinato e pena de morte e guerra. Não matar é um mandamento, dom precioso de Deus, a sua criação perfeita: o homem.

Tornei-me porta voz da defesa da vida, porém, apresento-me aos senhores com o sangue de 75.000 (setenta e cinco mil) vidas inocentes em minhas mãos. Uma desta vidas é a de meu próprio filho.
Falhei também como esposo com vários casamentos falidos, falhei como pai; como médico. Lembro-me agora, da passagem de São Mateus: “ouviu-se em Ramá, gritos, soluços e lamentos. Raquel não quer consolar-se porque chora seus filhos mortos”.

E como diz o Eclesiastes: “nada é fútil, tudo é vaidade”. Não podia suportar este peso moral intolerável, inimaginável, para continuar vivendo; cheguei a pensar seriamente no suicídio. Uma vez mais, porém, a mão de Deus ajudou-me e um sacerdote amigo ajudou-me a tirar-me do nada. Ele perguntou-me se gostaria de conversar com ele e eu aceitei. Nossas conversas duraram 5 (cinco) anos e me levaram a compreender que no sofrimento e no amor infinito de Cristo encontraria o que estava buscando: a fé, o perdão, a absolvição e a vida eterna.

A cristandade me mostrou a posição primordial da morte no mundo dos homens e o ápice da perfeição humana: amar infinitamente e que o mundo não é como alguns cientistas seculares dizem: acontecimento de uma oportunidade insignificante: não somos uma espécie como segundo pensamento num mundo vazio. Os cientistas, sem dúvida, trabalham com a razão, mas esta deve aperfeiçoar-se com o auxílio da fé. Sem Deus como seu centro a teoria científica mais sofisticada, mais abstrata, em minha opinião, é, niilismo inigualável na história. Inclusive, o grande filósofo, Bergson, ao morrer disse: “todo bem que ocorre no mundo, ocorre desde que Cristo se fez presente nele”. Assim o creio.

A mão de Deus trabalha uma vez mais de maneira misteriosa. Quando na Universidade de Montreal, no Canadá, estudava Medicina, no final dos anos 40, tinha como professor de Psiquiatria, Carl Stern, judeu de Viena, emigrado para o Canadá. Tornamo-nos bons amigos: eu era um de seus estudantes favoritos e tentou convencer-me a estudar Psiquiatria. Não sabia, entretanto, que o Dr. Stern estava se convertendo ao catolicismo, quando o conheci. Alguns anos depois, deparei-me com um livro que ele escreveu naquela época, em que falava de sua conversão. O último capítulo desse livro é uma longa carta ao seu irmão que estava em Israel. Seu irmão continuava sionista e Stern queria explicar-lhe sua conversão. A carta é longa mas, leio a última passagem que fala de suas convicções que lhes transmito: Diz ele: “Nunca esquecerei a manhã de minha Primeira Comunhão; como qualquer outra manhã de dezembro, entrei na Igreja quando aí fora estava escuro. No interior havia muita gente como acontece em qualquer Igreja Católica, como na periferia ou no centro de uma grande cidade, homens e mulheres vindo de casas pequenas da área comercial. Alguns vinham à Missa depois de terem trabalhado à tarde. Nossas vidas, de minha esposa, de meus amigos, chegaram a um ponto convergente à daqueles desconhecidos que nos rodeavam; foi como aí estivessem nossos pais e a Família Cohen, os judeus da Sinagoga de Canan, Jack Moretain e Dorothy Day e, as piedosas solteironas de nossa juventude em Viena. Não havia dúvida alguma de que para ELE corríamos afastando-nos d’ELE. Porém, durante todo este tempo, ELE estava presente no centro de tudo”.

Permitam-me concluir meu testemunho dizendo-lhes:

“O amor é o poder mais duradouro deste mundo. Esta força criadora tão formosamente exemplificada na vida de Cristo, é o instrumento mais poderoso disponível da busca pela humanidade, pela paz e a justiça”.

Fiquei muito emocionado quando fui batizado pelo Cardeal O’Connor, de Nova York, que me abraçou e disse: “Você agora é tão cristão quanto eu”.

(Testemunho do Dr. Nathanson no Congresso Teológico-Pastoral: A família: dom e compromisso, esperança da humanidade – Rio de Janeiro, 1-3 de outubro de 1997).

Fonte: www.comunidadeshalom.org.br