Um gigante de Deus

O Papa João Paulo II será beatificado neste mês de maio, mês dedicado a Virgem Maria, a quem ele tanto amou, mês também do seu nascimento. Ele se empenhou em muitas frentes para anunciar o Evangelho numa época conflitiva. O “breve século vinte”, de fato, foi um século de conflitos e mudanças substanciais. Seriam várias as virtudes e dons que poderíamos ressaltar na personalidade e atuação desse grande homem de Deus. Eu ressalto aqui o que me pareceu uma marca sólida de sua personalidade: a busca da santidade. O Pontífice polonês resgatou para a Igreja e o mundo a busca da santidade como vocação dos fiéis cristãos.

Em torno dessa busca pela santidade ele pautou sua visão de Igreja: escola de comunhão dos santos; sua doutrina social: santidade como justiça. A partir do conceito de santidade ele defendeu os direitos de Deus e os direitos dos homens. Vislumbrou a santidade como meta teológica e antropológica, como realização plena do ser humano e consequentemente da criação. Por isso não se pode estranhar que se clamasse durante seu funeral: santo súbito!

Nunca talvez, tanta gente tenha tido tanta oportunidade de entrar em contato com um Papa como se teve com João Paulo II. Sua primeira viagem ao Brasil (1980) foi marcada de emoção. Pôde-se ouvi-lo, então, dizer abertamente tantas palavras que gostaríamos de dizer, mas a Ditadura Militar vigente não permitia. Visitou os presos da Papuda em Brasília (DF), a Favela do Vidigal no Rio e em São Paulo encontrou os trabalhadores.

Hoje parece fácil clamar pela justiça e o direito em nome da dignidade humana, maltratada por uma sociedade rica, porém, injusta. Mas “nos anos de chumbo” desse período de repressão não o era. João Paulo II venceu o protocolo, as conveniências e tudo o mais, para exercer sua missão de anunciar o Evangelho da paz, fruto da justiça. Teve coragem! Aliás, uma de suas características sempre foi a fé com coragem, que fez dele um profeta do conturbado século XX.

Viveu no século de duas guerras terríveis e da queda do totalitarismo comunista, ao qual ele ajudou a derrubar. Teve coragem também ao protestar contra a guerra movida pelo império norte-americano contra o Iraque. Em nome de Deus ele levantou sua voz também contra o neoliberalismo, o qual promove uma globalização sem solidariedade e uma multidão incontável de excluídos.

Talvez pareça exagerada a comoção quando de seu desaparecimento. Como se costuma dizer: morreu o rei, viva o rei ou rei morto, rei posto. Isso não fez sentido em relação a esse Papa. Ninguém é insubstituível, mas ninguém é igual. E ele fazia bem ao mundo com a sua proposta de santidade, defesa dos direitos de Deus e dos homens, do clamor pela preservação da vida, pela paz. Ele se fazia ouvir até mesmo pelos que não gostavam dele, por isso tentaram assassiná-lo. Foi uma liderança sólida em um mundo carente de líderes verdadeiros.

Não podemos esquecer também, em âmbito interno da Igreja, que ela é apostólica. A Tradição nos ensina que a missão apostólica precede a comunidade e a constitui. A apostolicidade fundamenta a existência da comunidade, porque os primeiros missionários, com mandato direto de Jesus, foram os apóstolos. Entre eles Pedro é o principal. E João Paulo II foi sucessor de Pedro na Sé de Roma, a qual preside na caridade e confirma na fé. Neste espírito de fé e caridade ele foi pranteado à luz do círio pascal. E hoje no tempo pascal a Igreja se alegra, proclamando a sua ressurreição ao beatificá-lo: “Quem com Cristo sofre com Ele será glorificado”.

Quando alguém morre nossos julgamentos se tornam mais coerentes e corretos sobre o morto. Isso porque em vida vemos atos isolados. Mas na morte de alguém vemos o conjunto de sua vida. Deixamos de examinar o “varejo” para examinar o “atacado”. À medida que o tempo passa a grandeza vai aparecendo com mais força. Com João Paulo II foi assim. A história já lhe rende homenagens justas e merecidas. Quem poderá esquecer a grandeza desse Sumo Pontífice, que ousou pedir perdão pelos erros do passado da Igreja, o que foi um dos pontos altos das comemorações do jubileu do ano 2000? Ele provou que a humildade é a virtude dos fortes e dos que têm uma mente sadia, capaz de promover a reconciliação e a paz por meio do perdão. Sem perdão, a justiça será sempre uma maneira de vingança em todas as circunstâncias.

Em uma sociedade moderna ou pós-moderna, mas desencantada, porque percebe que a morte de Deus, tão propalada, acarreta, de certa forma, a morte da pessoa humana, a fortaleza e a alegria de viver de João Paulo II deixaram saudade. Ele era um semeador de esperança.

Na Igreja dos primeiros séculos se dizia que o bispo, sucessor dos apóstolos, exerce seu serviço em nome de Jesus, porque recebe o ofício de embaixador que vem da parte de Deus (cf. São João Crisóstomo in Com. Ad Col. 3,5). Nas vezes em que pude encontrá-lo e falar com ele, me impressionou a profundidade de seu olhar, parecia ver com os olhos de Deus. Mais que nenhum outro bispo João Paulo II foi embaixador de Deus no final do século passado e no início deste novo milênio. Por isso não o esquecemos e a Igreja confirma o dom que Deus lhe deu: a santidade, da qual o mundo sempre teve fome.