Um elefante ajuda muita gente

Raul Follerau, um dos conferencistas mais aplaudidos na sala de imprensa do célebre Concílio Vaticano II, foi conhecido como o “diácono da caridade” e “apóstolo dos leprosos”. Em seu livro “Cinqüenta anos entre os leprosos”, 1978, Follerau narra de forma muito clara e simples as suas andanças pelo mundo em sua missão de ajuda aos irmãos hansenianos dos países do Terceiro Mundo em particular.

Em uma de suas narrativas o incansável defensor dos enfermos desvalidos, descreve uma cena singular ocorrida no Ceilão (hoje a paupérrima República do Sri Lanka), na estrada em construção que ligaria a capital, Colombo, ao aeroporto. Com as chuvas das monções o caminhão que transportava Follerau e sua comitiva para o embarque, ficou retido em meio ao lamaçal onde dois enormes tratores da construtora estavam atolados, imóveis. Os tratoristas e os viajantes, além de desconsolados, se preocupavam com a aproximação da noite uma vez que não conseguiriam socorro sem retornar à distante capital e a região, em plena selva, apresentava os perigos da presença de ferozes carnívoros.

Em silêncio aquelas pessoas viram sair da floresta, um grande e lento elefante e sobre ele um cingalês esquálido. O homenzinho dirigiu seu elefante até as proximidades de um dos tratores, desceu, trocou um olhar com o elefante comunicando-se sem gestos ou palavras, tomou uma grossa corda de cima de um dos tratores, amarrou no primeiro trator, ligou-a ao animal e este, vagarosa e firmemente, arrastou a enorme máquina até um local mais firme. Sempre em silêncio fizeram o mesmo com o segundo trator imobilizado. Concluída a tarefa o mirrado homem subiu novamente em seu elefante, dirigiu um acanhado sorriso aos espectadores mudos e pasmos e se embrenhou novamente na floresta sem nada dizer.

Esta cena real marcou profundamente o autor e contém uma lição impressionante de solidariedade (num tempo em que a palavra era pouco utilizada, mas a ação se fazia muito concreta). Naquele fim do mundo, longe da civilização, um nativo, pagão certamente, e um animal, deram uma lição extraordinária, sem gestos, sem palavras, lição de ajuda ao próximo, o dar sem olhar a quem, sem que a mão esquerda soubesse o que fazia a mão direita.

Aquele pequeno grande homem sabia da tremenda força do seu animal e foi sensível ao problema daquelas pessoas. Agiu antes que alguém lhe pedisse, sem tripudiar sobre a fraqueza das poderosas máquinas, inúteis naquele momento; não esperou por agradecimentos ou recompensas e, ao sair, ainda sorriu como se coubesse a ele agradecer a oportunidade de poder ajudá-los.

Esta cena inusitada me mantém voltado à força, ao potencial, da nossa fé cristã, católica, ao Poder in-fi-ni-to de nosso Deus. De modo lamentável a força e poder Divino tem sido subestimada por nós, cristãos, católicos, que nos dizemos “fiéis”. Incomparavelmente maior do que a força e energia daquele elefante, a Força divina que rege todo o Universo (todo, não parte dele) ainda não tem sido apropriada por nós que nos dizemos crentes no Senhor (não acuso ou aponto alguém o meu dedo indicador pois teria voltado para mim mesmo meus outros quatro dedos).

A poderosa frase evangélica “A fé remove montanhas” hoje nos parece de uma beleza simbólica, uma expressão literária bonita, e tem sido tomada como uma frase piedosa, útil somente naquele tempo de Jesus e no início do Cristianismo. Perdoem-me os que pensam e falam assim, pois estes não podem declarar a Palavra de Deus como verdade e vida. E me atrevo a afirmar que não é possível alguém dizer que teve o encontro, a experiência pessoal com Jesus, que está convertido e ainda tenha dúvida em sua Palavra.

Já em seu tempo Jesus lamentava a falta de fé, e afirmava que se a fé dos seus ouvintes fosse ao menos “do tamanho de um grão de mostarda” nada seria impossível aos que cressem (cf. Mt 17,20;Lc 17,5-6). O texto sagrado diz “…nada vos seria impossível”, não fala em “algumas” coisas que seriam possíveis outras não. Diz claramente “nada”. Portanto nada nos será impossível ainda hoje.

Pobre de nós, com o intelectualismo e razão a nos manterem distantes e impermeáveis a tão grande e real verdade. Circulamos por este mundo, entre tantos irmãos e irmãs “atolados” na estrada do sofrimento, da amargura, das doenças, enquanto dizemo-nos cheios de fé, montados num exuberante “elefante” e ignorando a sua força. E quando nos deparamos com a possibilidade de pedirmos um milagre hesitamos, nos sentimos indignos, tememos uma possível critica do clero e dos demais irmãos ou sermos chamados de loucos ou fanáticos. Duvidamos que Deus nos escute e sequer ousamos pedir esse excelso Dom gratuito como fizeram os apóstolos: “Senhor, aumenta-nos a fé!” (Lc 17,5).

Numa analogia com aquela estrada intransitável, temos diante de nós os hospitais, os asilos, as prisões, as ruas e praças, repletos de irmãos “atolados” enquanto passeamos pela vida montados em nosso elefante pomposo, alardeando a nossa “fé”, proclamando-nos crentes no Senhor Todo-Poderoso e sem recorrer ao extraordinário manancial que é a Força do Senhor, Deus Onipotente.

Quantas dúvidas nos assolam quando se trata de orar ou levar os Sacramentos aos enfermos nos hospitais, ao levar consolo a uma família com filho ou filha escravos das drogas, auxiliar as pessoas em depressão e em outros casos graves.

Felizmente há entre nós irmãos com fé suficiente para “rebocar” elefantes e tratores atolados por este mundo, gente com a fé do tamanho do minúsculo grão de mostarda, com uma confiança em Deus do tamanho do monte Everest e um destemor do tamanho de um oceano, gente disponível ao Senhor e aos irmãos que se entrega à missão de alma e coração.

Eu os conheço. Você os conhece certamente. Nos resta imitá-los, eu e você, esta é a premissa. Ou então continuaremos inúteis, embrenhados em nossa própria floresta, alimentando o nosso egoísmo, esse obeso, fraco e imprestável elefante.
Por tudo isto, oremos sempre: Meu Senhor e meu Deus, creio, mas aumentai a minha fé! Amém.