Um dos mais belos poemas...

Onde é que te escondeste,
Amado e me deixaste com gemido?
Como o cervo correste,
havendo-me ferido;
saí, clamei por ti, havias partido.

Pastores se subirdes,
além pelas malhadas ao outeiro,
se porventura virdes
aquele a quem mais quero,
dizei-lhe que agonizo enquanto espero.

Buscando meus amores,
irei por esses montes e ribeiras;
não colherei as flores
nem temerei as feras,
e passarei os fortes e as fronteiras.

Ó bosques e espessuras
plantadas pelas mãos de meu Amado!
Ó prado de verduras,
de flores esmaltado,
dizei-me se passou por esse lado!

Mil graças derramando,
passou por estes soutos com ventura,
somente os contemplando,
apenas co”a figura
vestidos os deixou de formosura.

Quem poderá curar-me?
Entrega-te num lance verdadeiro.
Não queiras enviar-me
um outro mensageiro,
que não sabem dizer-me quanto anseio!

E todos que vierem
de ti me vão mil graças murmurando,
e todos mais me ferem;
me deixa agonizando
um não sei quê que ficam balbuciando.

Mas como perdurar,
ó vida, não vivendo onde já vives,
querendo-te matar
as flechas que recebes
daquilo que do Amado em ti concebes?

Por que tendo chagado
meu leve coração não o curaste?
E já que foi roubado,
por que assim o deixaste
e não levas o roubo que roubaste?

Apaga o meu penar
porque ninguém consegue desfazê-lo,
te veja o meu olhar,
o qual és o desvelo,
e para ti somente quero tê-lo.

Revela-me a presença,
me mate a tua vista e formosura;
recorda que a doença
do amor jamais se cura,
senão com a presença e co”a figura.

Claríssima nascente,
se nesses teus semblantes prateados formasses de repente
os olhos desejados
que tenho nas entranhas desenhados!
Afasta-os, Amado,
que vou num vôo!
Regressa, ó paloma,
que o cervo vulnerado
já pelo outeiro assoma
na brisa de teu vôo e fresco toma.

Meu Amado, as montanhas,
Os vales solitários nemorosos,
as ilhas mais estranhas,
os rios sonorosos, o sibilar dos ares amorosos;

A noite sossegada,
nos raios suavíssimos da aurora,
a música calada,
a solidão sonora, a ceia que deleita e enamora.

Caçai-nos as raposas,
que já está em flor a nossa vinha
enquanto que de rosas
fazemos uma pinha
e fique esta montanha bem sozinha

Detém-te, Bóreas morto!
Vem, Austro, que recorda os amores,
aspirar por meu horto
e corram teus olores
e o Amado pacerá por entre as flores!

Ó ninfas da Judéia!,
enquanto que nas flores e rosais
o âmbar os enleia,
daqui vos afastai,
não desejeis tocar nossos umbrais.

Esconde-te, Amoroso,
com tua face avista essas montanhas,
e fica silencioso;
mas vê dentre as companhas
a que se vai por ínsulas estranhas.

Às aves mais ligeiras,
leões, cervos e gamos saltadores,
montes, vales, ribeiras,
águas, ares, ardores
e medo pelas noites veladores:

Pelas amenas liras
e cantos de sereias, vos conjuro
que cessem vossas iras,
e não toqueis no muro,
para a esposa dormir sono seguro.

Entrou enfim a Esposa
no horto mais ameno desejado,
e a seu sabor repousa,
o colo reclinado
junto dos braços mais doces do Amado.

Na macieira, então,
tu foste ali comigo desposada,
ali te dei a mão,
e foste reparada
onde antes tua mãe foi violada.

Nosso leito florido,
de covas de leões entrelaçados,
de púrpura tecido
de paz edificado,
de mil escudos de ouro coroado.

Na busca de teus rastros
acorrem as donzelas ao caminho,
ao fulgurar dos astros,
ao temperado vinho,
nas emissões de bálsamo divino.

E na adega interior
do Amado meu bebi; quando eu saía,
de tanto resplendor,
já nada mais sabia
e meu gado perdi, que antes seguia.

Ali me deu o seio,
ditando-me ciência saborosa,
e dei-me sem receio,
oferta dadivosa,
e ali lhe prometi ser sua esposa.

Minha alma ao bem Amado
voltou-se, dedicada a seu serviço.
Não guardo mais o gado
nem mais tenho outro ofício,
pois é somente amar meu exercício.

Se nos vergéis detida,
eu nunca mais for vista nem achada
direis que estou perdida;
que, andando enamorada,
tornei-me perdidiça e fui ganhada.

De flores e esmeraldas
nas frescas madrugadas escolhidas,
faremos as grinaldas,
em teu amor floridas
e num cabelo meu entretecidas.

Nesse único cabelo
que em meu colo a voar tu divisaste; e em meu regaço ao vê-lo,
preso nele ficaste
e só num de meus olhos te chegaste.

Mas quando me fitavas,
teus olhos sua graça me imprimiam;
por isso me adoravas,
e nisso mereciam
meus olhos adoraram o que em ti viam.

Não queiras desprezar-me,
porque, se a cor morena em mim achaste,
já podes bem olhar-me,
pois, desde que me olhaste,
a graça e a formosura em mim deixaste.

A pálida pombinha
à arca retornou com o ramo achado,
e da fiel rolinha
o sócio desejado
nos verdes ribeirões foi encontrado.

Em solidão vivia,
em solidão seu ninho construído,
e em solidão a guia,
a sós o seu querido,
também em solidão de amor ferido.

Gozemo-nos, Amado,
e vamos ver em tua formosura
o monte e o escarpado,
donde mana água pura;
entremos inda mais nesta espessura.

E logo às mais subidas
cavernas pedregosas nós iremos,
que estão bem escondidas;
ali nós entraremos
e o mosto de romãs saborearemos.

Ali me mostrarias
aquilo que minha alma pretendia,
e logo me darias,
decerto o que eu queria,
aquilo que me deste o outro dia.

Nas harmonias doar,
do rouxinol a doce cantilena,
o bosque em seu arfar,
em noite tão serena,
com chama que consome e não dá pena.

Ali ninguém o olhava…
Animada sequer aparecia;
e o cervo sossegava
e só a cavalaria
ao divisar as águas já descia.