Segue-me

Do Evangelho resulta que, desde o início da sua vida pública, Jesus chama homens a seguirem-no. Esta chamada não se exprime necessariamente em palavras: pode resultar simplesmente da atração exercida pela personalidade de Jesus, sobre aqueles que encontra, como no caso dos primeiros dois discípulos, segundo a narração do Evangelho de João. Já discípulos de João Batista, André e o seu companheiro (que parece ser o mesmo evangelista), são fascinados e quase arrebatados por aqueles que lhes é apresentado como “o cordeiro de Deus”; e imediatamente põem-se a seguir Jesus, antes ainda que ele lhes tenha dirigido uma palavra. Quando Jesus pergunta: “Que buscais?, eles respondem com outra pergunta: “Mestre, onde moras?” Então recebem o convite que mudará a sua vida: “Vinde e vereis” (Jo 1,38-39).

Mas, geralmente, a expressão mais característica da chamada é a palavra: ”Segue-me” (Mt 8,22; 9,9; 19,21: Mc 2,14; 10,21; Lc 9,59; 18,22; Jo 1,43; 21,19). Ela manifesta a iniciativa de Jesus. Antes dessa ocasião, aqueles que desejavam abraçar o ensinamento de um mestre escolhiam aquele de quem queiram tornar-se discípulos. Jesus, pelo contrário, com aquela palavra: ”Segue-me”, mostra que é Ele a escolher os que quer ter como companheiros e discípulos. De fato, Ele dirá: ”Não fostes vós que me escolhestes, fui eu que vos escolhi” (Jo 15,16).

Nesta iniciativa de Jesus aparece uma vontade soberana, mas também um amor intenso. A narração da chamada dirigida ao jovem rico deixa transparecer este amor. Ali lê-se que, quando o jovem declara ter observado os mandamentos da lei, desde a mais tenra idade, Jesus, “fitando nele o olhar, sentiu afeição por ele” (Mc 10,21). Este olhar penetrante, cheio de amor, acompanha o convite: “Vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu; depois, vem e segue-me.” Este amor Divino e humano de Jesus, tão ardente que chega a ser recordado por uma testemunha da cena, é o que se repete em cada apelo ao dom total de si na vida consagrada. Como escrevi na Exortação Apostólica Redemptionis donum, “nele reflete-se o eterno amor do Pai, que “amou tanto o mundo que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que crê nele não pereça, mas tenha a vida eterna”” (Jo 3,16) (n.3).

Sempre, segundo o testemunho do Evangelho, a chamada a seguir Jesus comporta exigências muito amplas: a narração do convite ao jovem rico põe em relevo a renúncia aos bens materiais; noutros casos, vem de modo mais expresso, sublinhada a renúncia à família (cf. por exemplo Lc 9,59-60). Geralmente, seguir Jesus significa renunciar a tudo, para unir-se a Ele e o acompanhar pelos caminhos da sua missão. É a renúncia à qual anuíram os Apóstolos, como declara Pedro: ”Nós deixamos tudo e seguimos-te” (Mt 19,27). Precisamente na resposta de Pedro, Jesus indica a renúncia aos bens humanos como elemento fundamental do seu seguimento (cf. Mt 19,29). Do Antigo Testamento resulta que Deus pedia ao seu povo que o seguisse, mediante a observância dos mandamentos, mas sem nunca formular exigências tão radicais. Jesus manifesta sua soberania Divina, reclamando, ao contrário, uma absoluta dedicação a Ele, até o desapego total dos bens e dos afetos terrenos.

Note-se, porém, que embora formulando as novas exigências compreendidas no apelo a seguí-lo, Jesus apresenta-as à livre escolha daqueles que Ele chama. Não são preceitos, mas apelos ou “conselhos”. O amor com que Jesus lhe dirige a chamada, não tira do jovem rico o poder de livre decisão, como demonstra a sua rejeição de o seguir, por causa da preferência dada aos bens que possui. O evangelista Marcos faz notar que ele “se retirou pesaroso, pois tinha grande fortuna” (Mc 10,22). Jesus não o condena por isto. Mas, por sua vez, observa, não sem uma certa aflição, que é difícil que os ricos entrem no reino dos céus, e que só Deus pode operar certos desapegos, certas libertações interiores, que consentem responder ao chamamento (cf. Mc 10,23-27).

Por outro lado, Jesus afirma que as renúncias, exigidas pelo apelo a seguí-lo, obtêm a sua recompensa, um “Tesouro Celeste”, ou seja, uma abundância de bens espirituais. Ele até promete a Vida Eterna no século futuro, e o cêntuplo neste mundo (Mt 19,29). Este cêntuplo refere-se a uma qualidade superior de vida, a uma felicidade mais alta. A experiência ensina que a vida consagrada, segundo o desígnio de Jesus, é uma vida profundamente feliz. Essa felicidade é proporcionada à felicidade ao desígnio de Jesus. A isto não obsta o fato que, sempre segundo a referência às perseguições citada por Marcos no mesmo episódio (10,30), o “cêntuplo” não dispensa da associação à Cruz de Cristo.

Jesus chamou a seguí-lo também mulheres. Um testemunho dos Evangelhos diz que um grupo de mulheres acompanhava Jesus e que estas mulheres eram numerosas (cf. Lc 8,1-3; Mt 27,55; Mc 15,40-41). Tratava-se de uma grande novidade, em relação aos costumes judaicos: só a vontade inovadora de Jesus, que incluía a promoção e de um certo modo, a libertação da mulher, pode explicar o fato. Os Evangelhos não relatam vocação de nenhuma mulher, mas a presença de numerosas mulheres com os Doze junto de Jesus, pressupõe sua chamada, sua escolha, silenciosa ou expressa.

Concluímos esta catequese com o reconhecimento de que Jesus, chamando homens e mulheres a abandonarem tudo para o seguir, inaugurou um estado de vida que se desenvolverá pouco a pouco na Igreja, nas várias formas de vida religiosa, ou também – para os escolhidos por Deus – no sacerdócio. Desde os tempos evangélicos até hoje tem continuado a agir a vontade fundadora de Cristo, que se exprime naquele belíssimo e santíssimo convite dirigido a tantas almas: “Segue-me”.

Papa João Paulo II
Alocução da Audiência-Geral de Quarta-feira – 12 de Outubro de 1995