Relacionamentos: curar as feridas...

Então Deus disse: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança…” Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a mulher. Deus os abençoou: “Frutificai, disse ele, e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a…” Por isso o homem deixa o seu pai e sua mãe para se unir à sua mulher; e já não são mais que uma só carne. (Gn 1,26a.27-28a;2,24).

Deus criou o homem e a mulher à sua imagem e semelhança: capazes de amar e de gerar vida. Para tanto, o homem une-se à sua mulher, e já não são mais que uma só carne. Ora, este ser “uma só carne” implica uma convivência íntima. Esta é muito enriquecedora para ambos, na medida em que cada um dá ao outro o que tem de bom. Todavia, esta convivência não é livre das dificuldades e do sofrimento.
Por isso, quero começar falando sobre a reconciliação. Muito mais que um acerto de contas, a reconciliação é o reencontro de dois corações no coração de Jesus. Este reencontro em Jesus tem o poder de curar as feridas mais profundas, além de renovar o relacionamento, tornando-o mais profundo, mais intenso e mais verdadeiro do que antes. Se aprendermos a nos reconciliar, nada será como era antes!
Tomei como modelo o relacionamento marido-mulher, mas quase tudo que se dirá aqui serve para todos os nossos relacionamentos: pais e filhos, irmãos, parentes em geral, amigos, namorados, noivos, professores e alunos, etc.
Para falar do relacionamento marido-mulher, vou recorrer àquilo que eu e a Fabiana, minha esposa, temos aprendido e, principalmente, vivido em nosso casamento. Por isso, o que escrevo abaixo é um testemunho de como a Palavra de Deus nos tem instruído e agido em nossa vida matrimonial.

Curar as feridas: a reconciliação

Na Conferência Internacional da RCC em Rimini, em Maio de 2000, um dos homilistas disse: “o cerne da unidade em uma comunidade não é partilhar das mesmas idéias, mas a reconciliação”.

Vamos então dar uma passada rápida sobre os problemas que ferem o amor e a unidade no relacionamento marido-mulher, e ver como podemos trabalhar essas dificuldades para o crescimento e amadurecimento do amor. A maior dificuldade reside em nossa condição de pecadores: o egoísmo e o orgulho constroem verdadeiras barreiras entre as pessoas. Não creio que as diferenças de cultura, educação, gosto, sexo ou idade possam construir tantas barreiras como o egoísmo e o orgulho. Se ter a mesma cultura fosse suficiente para a unidade, não haveria divisões dentro das famílias, por exemplo. E o que é que vemos? Pessoas que falam a mesma língua, usam as mesmas gírias e expressões idiomáticas, estudam nas mesmas escolas, assistem aos mesmos programas de televisão, comem a mesma comida… freqüentemente são incapazes de viver juntas em paz. Para mim está muito claro que o amor une, enquanto que o egoísmo divide.

Jesus disse que ninguém tem um amor maior do que aquele que dá sua vida pelos seus amigos. Então, amar significa dar a nossa própria vida. Não apenas morrendo por alguém, mas especialmente vivendo por alguém — isto é, quando você pega um tempo de sua vida para gastar, não para si mesmo, mas para outra pessoa, na verdade você está dando sua vida para esta pessoa. Creio que isto seja amor, e isto constrói a unidade. Quando agimos egoisticamente, queremos que os outros nos sirvam, e até mesmo exigimos isto deles. E isto constrói barreiras.

Outra poderosa construtora de barreiras é a falta de perdão. E eu acho que, assim como o egoísmo e o egocentrismo opõem-se ao amor, o orgulho opõe-se ao perdão.
Geralmente, quando ofendemos um ao outro, é por causa do egoísmo. Mas pode acontecer também que o problema todo seja causado por um erro de comunicação. Contudo, não importa qual seja a causa da ofensa, a falta de perdão sempre aprofunda os efeitos da ofensa, bem como aumenta a distância entre as pessoas. Com uma força muito maior, o perdão pode unir as pessoas. É isto que temos experimentado até hoje em nosso casamento.

Então, como lidamos com esses problemas?
Aprendemos que as palavras de Jesus sobre perdão são totalmente verdadeiras: não se ponha o sol sobre o vosso ressentimento; perdoar sententa vezes sete (isto é, sempre); e bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. Todas essas palavras são belas, mas serão inúteis para nós se não as pusermos em prática na nossa vida. Eu e a Fabiana experimentamos o perdão todos os dias. É como tomar banho. Você pode dizer: “Eu tomei um banho ainda ontem”. Isto não significa que você não precise de um banho hoje. Desde o início, adotamos o princípio de que, sempre que nos sentirmos feridos, vamos partilhar nossos sentimentos e nos reconciliar. Isto é muito importante. Temos um testemunho que pode ajudar você a compreender melhor o que é o perdão:

Um dia, eu estava muito chateado com a Fabiana (ela também estava chateada comigo). Eu não sentia nenhuma vontade de falar com ela naquele dia. Era como se… eu quisesse mostrar a ela, através da minha frieza, que eu estava chateado, com raiva dela. Então fui atingido por uma pergunta no meu coração: “Este tipo de comportamento agradará a Deus?” Obviamente eu sabia que não agradaria. Mas eu estava com raiva. Eu sabia que devia me reconciliar, mas eu não queria, naquele momento. Mas de repente senti a voz do Espírito dizendo-me que este antagonismo não era da vontade de Deus, mas uma tentação do inimigo. E imediatamente eu disse essas palavras no meu coração: “Vai-te embora, Satanás, que eu já te descobri, e não te quero aqui!” E continuei: “Se você pensa que eu vou juntar-me a você para ir contra a Fabiana, você está muito, mas muito errado mesmo. Porque foi Deus mesmo que a colocou do meu lado, para que pudéssemos ajudar-nos um ao outro a alcançar a santidade. E eu me casei com a Fabiana por amor a Deus em primeiro lugar, e por amor a ela, para fazê-la santa e feliz. Portanto, se você acha que vou juntar-me a você contra ela, você está errado. Eu vou é unir-me ainda mais a ela, contra você. É você quem deve sair desta casa agora mesmo, porque não há lugar para você aqui!”

Fui libertado imediatamente da minha dureza, embora eu ainda estivesse triste com ela. Mas eu sabia que tínhamos de nos reconciliar; fui até ela e nos perdoamos um ao outro. E então houve paz, amor, compreensão e consolação. Deus tem nos ensinado tanto sobre o perdão!

do livro ‘Relacionamentos: curar as feridas, cultivar o amor’