Explorada, à exaustão, em discursos elaborados por representantes de vertentes ideológicas variadas, a palavra cidadania tornou-se uma espécie de bandeira. Base utilizada como sustentáculo de partidos, credos e classes. É bem verdade que debates e reflexões sobre o tema já simbolizam um grande primeiro passo. Porém, é preciso cuidado para que ele tenha seqüência e se transforme em caminho verdadeiramente extenso e mapeado. Há tempos, já passa da hora de aplicarmos o conceito de cidadania de forma efetiva e eficaz. Único modo de acelerar o ritmo das transformações sociais fundamentadas na conscientização em relação ao entendimento de direitos e deveres.
Nesse contexto, é pertinente lembrar um momento singular, vivenciado em janeiro de 2005, na cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, durante o ‘Fórum Social Mundial’. O evento acontece desde 2001 e reúne personalidades de diversos países, na tentativa de discutir, trocar experiências e encontrar soluções para os grandes problemas sociais. Nessa ocasião, um dos debates mais disputados pelo público foi o painel “Quixote hoje: Utopia e Política”, acompanhado por cerca de três mil pessoas.
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Dentre os componentes da mesa estavam o escritor português José Saramago e o intelectual Ignacio Ramonet, editor do jornal francês Le Monde Diplomatique. Diferentemente da maioria dos participantes de encontros dessa natureza que tecem mais críticas do que sugestões Ramonet expôs cinco propostas que, em sua opinião, poderiam alterar significativamente o cenário de desigualdade observado em escala mundial.
A primeira delas seria cobrar uma taxa planetária contra a fome e a miséria; a segunda determina a extinção de paraísos fiscais; na seqüência vem a eliminação da dívida externa dos países pobres; a quarta visa implantar uma moratória para que todos tenham o direito e acesso à água potável; finalmente, vem a proposta de fixar um imposto de solidariedade para as grandes empresas ou instituições. Ao que tudo indica, o editor do periódico europeu parece querer o que todos também desejamos: um mundo mais justo e igualitário no qual haja, de fato, mais cidadania. Vale ressaltar que o próprio título do painel composto pelo nome da principal personagem de Miguel de Cervantes (Quixote), de sua característica mais marcante (utopia) e da associação com algo tão comum à vida de todos (Política) já faz uma referência explícita à força dos sonhos considerados impossíveis.
Entretanto, não é nosso propósito discutir se as propostas apresentadas por Romanet são boas, absurdas ou viáveis. O objetivo é chamar atenção para o fato de o editor ter se manifestado de maneira mais concreta do que a maioria das pessoas que têm a oportunidade de estar em posição de destaque ou mesmo de exercer cargos públicos. Funções que exigem não apenas discursos e idéias, mas ações e programas que realmente façam a diferença. Sabemos que não está nas mãos de Ramonet executar suas próprias propostas, mas já foi louvável ter elaborado sugestões quando parte das pessoas só apresenta julgamentos.
Dando um passo à frente nessa questão, é nosso dever ficar atentos para desenvolver um espírito mais pró-ativo em nossa vida, tanto apresentando propostas quanto contribuindo para viabilizá-las. Cidadania deve transcender oratórias se o que esperamos é legar um Brasil e um mundo melhores aos nossos descendentes. Logo, cabe a nós aprender com as experiências anteriores, superando crises e evitando descrenças e generalizações. Assim, que nosso tempo seja empregado pesquisando, analisando e identificando oportunidades e projetos que viabilizem a construção de um País soberano. E que a cidadania deixe de ser objeto de retórica para, definitivamente, se instalar em nós.