Não foram as dores do parto que a derrotaram e a destruíram por completo. As dores acabadas de sofrer fizeram emergir a vida com todo o seu esplendor. Diante desse ser feito carne, a natureza recompõe-se outra vez porque é urgente construir o edifício da vida com alegria e esperança.
O tempo, este tempo que é o nosso, está repleto de dor, de desespero e de medo. Não sei se será possível haver lugar ‘para Ele nascer de novo…’? Mas que diferença faz, essa de não existir lugar para o Seu nascimento, porque Ele já está mais que habituado a não ter lugar no mundo para nascer. Porém, temos fé que a Sua vontade de nascer é grande, até mesmo infinita. Não fosse este o sinal mais forte do seu amor pelo mundo.
É urgente dar lugar à esperança nesta hora de sofrimentos vários, de dores desmedidas e de desesperos angustiantes. Não há tempo a perder-se, cada um traz em si o lugar de Deus. O lugar do seu nascimento.
Mas que lugar tão pobre, dirão os mais exigentes! Sim, pobres todos os corações humanos, mas lugares eleitos para o nascimento de Deus, o Senhor da esperança e da salvação para todos. O Deus da vida partilhada não se deixa intimidar com a pobreza de cada um. É dos pobres que Deus gosta. É dos lugares pobres que se faz a eleição para Ele nascer.
Este ano, é especial. O ano dos atentados terroristas sem precedentes nas história da civilização humana. Este, o ano da morte de mais de seis mil pessoas soterradas sobre duas torres que desafiavam os céus e a natureza. O ano da viragem de século e de milênio, surpreendeu-nos a todos com a vulnerabilidade da condição humana. Tudo surpreendente para nós que nos habituamos à Internet, às viagens freqüentes de avião, ao bem estar social e econômico… Tudo parecia assegurado e garantido, mas, afinal, facilmente desmoronaram sobre as nossas cabeças as torres de Babel, que teimosamente erguemos até ao mais alto dos céus.
O cheiro a cinza, o monte de entulho e as bombas em nome da paz lançadas sobre populações inocentes, são razões de sobra para o desespero. No entanto, será daí mesmo desse panorama desolador que a vida emerge, que a tristeza dá lugar à alegria e que a força do amor será mais vez uma o outro nome da paz para todos os homens.
As entranhas do nosso ser rasgam-se e contorcem-se com a tristeza deste tempo cheio de contradições, de sombras e de penumbras obscuras que não permitem outro sentido, outra paz e outra alegria.
A quem se destina este apelo? – Diz-nos, essa voz de longe que bate de porta em porta, que ‘precisamos de prepararmo-nos…’. – Um grito, um apelo ou uma chamada cristã, evangélica que nos sonda a todos com este pedido, para que qualquer recanto seja lugar propício para emergir a criança, para nascer a ‘carne’ do amor, que redime todo este mundo tão necessitado de razões para viver e lutar por momentos mais férteis de prazer fecundo em favor da existência feliz para todos.
‘…Ele nascer de novo…’ – pensaremos – dê por onde der, Ele vai nascer de novo! Basta de solidão, basta de ódios, basta de sofrimentos em tantas almas que nunca souberam o que é a paz, a felicidade da existência e o gosto de viver com o necessário para ser verdadeiro homem ou verdadeira mulher.
Este que quer nascer de novo, em nome do amor infinito pelos homens e pelas mulheres, faz-se criança, símbolo da esperança e da confiança de que da miséria é sempre possível comunicar o sentido e a feliz notícia da Boa Nova do Reino.
Mas, voltemos à metáfora da mulher que está a dar à luz a criança, sinal da esperança e do sentido da vida em relação ao futuro. Ela é modelo, entre as dores desse momento, de ação de graças, da alegria, da serenidade, porque nos seus braços recai agora a felicidade do seu esforço. Por isso, neste contexto de medo e de insegurança geral do nosso mundo, o grito do anjo de Deus que vem ao nosso encontro, ganha contornos de atualidade muito grandes: ‘Alegra-te! Salve, ó cheia de graça!’. É esta expressão de alegria que nos deve mover para acolhermos não uma derrota no abismo do escuro do sem sentido da vida, mas antes a salvação na luz do amor de Deus que se faz ‘carne’ da nossa carne.
Esta expectativa de alegria, de ação de graças, deve ser a expressão de todo o povo que se alimenta da possibilidade da fé para todos os momentos da vida, sejam bons ou sejam maus. Nesta aventura da esperança, descobre-se o sentido da pobreza, da humildade e da disponibilidade para a radical experiência do amor. Tudo muito à maneira Dele, que nunca desiste de ‘nascer de novo…’ para todos nós e para cada um de nós no lugar da existência concreta da história dos homens e das mulheres.
Esse futuro, em que se espera a chegada de Deus ou o Seu nascimento, não é ainda a realidade porque ainda não estará totalmente em todos. O futuro, para o qual reacendemos essa lanterna da esperança, está, apesar de tudo, a ser invadido por uma atitude de firmeza. Não é uma esperança vã, sem lógica e sem raciocínio, mas um convite apenas, a realizar no mundo o que nunca ninguém viu, o que nunca ninguém ouviu, o que nunca ninguém entendeu, que é Deus, que é a luz, a verdade, o amor e o futuro. E isso ainda não aconteceu. É preciso que cada um de nós saiba preparar convenientemente o seu coração para ‘Ele nascer de novo…’.
Pe. José Luís Rodrigues
Fonte: www.ecclesia.pt