O velho Satanás é louco!

Em seu comentário ao Evangelho da do primeiro domingo da Quaresma (Mt 4,1-11), o padre Raniero Cantalamessa, pregador da Casa Pontifícia, alerta sobre a ação do demônio e recorda que Jesus, o único Senhor, liberta-nos de Satanás, pois o venceu.


Mateus 4,1-11: Então Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto para ser tentado pelo diabo. E depois de fazer um jejum de quarenta dias e quarenta noites, ao final sentiu fome. E, aproximando-se o tentador, disse-lhe: “Se és Filho de Deus, diga a estas pedras que se transformem em pães”. Mas ele respondeu: “Está escrito: ‘Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus'”. (…) Por fim, o diabo o deixou, e os anjos aproximaram-se para servi-lo.


Hoje o demônio, o satanismo e outros fenômenos relacionados são de grande atualidade, e inquietam muito. Nosso mundo tecnológico e industrializado pulula de magos, bruxos, ocultismo, espiritismo, horóscopos, vendedores de feitiços, de amuletos e também de autênticas seitas satânicas. Expulsado pela porta, o diabo voltou a entrar pela janela. Ou seja, expulso da fé, regressou com a superstição.

O episódio das tentações de Jesus no deserto ajuda-nos a pôr um pouco de clareza. Antes de tudo, existe o demônio? A palavra demônio indica verdadeiramente uma realidade pessoal, dotada de inteligência e vontade, ou é um símbolo, um modo de falar para indicar a soma do mal moral do mundo, o inconsciente coletivo, a alienação coletiva, etc? Muitos, entre os intelectuais, não crêem no demônio entendido no primeiro sentido.

Mas se deve observar que grandes escritores e pensadores, como Goethe e Dostoiévski, tomaram muito a sério a existência de Satanás. Charles Baudelaire, que não era certamente de uma raça de santos, disse que «a maior astúcia do demônio é fazer crer que não existe». A prova principal da existência do demônio nos Evangelhos não está nos numerosos episódios de libertação de obsessos, porque ao interpretar estes fatos podem ter influído as crenças sobre a origem das enfermidades. A prova verdadeira está nos santos!

E Jesus, que é tentado no deserto pelo demônio, é a confirmação evidente disso. A prova são também os muitos santos que lutaram na vida com o príncipe das trevas. Não são uns «dons Quixote», que lutaram contra moinhos de vento. Ao contrário, são homens muito concretos e de psicologia sã.

Se muitos pensam ser absurdo crer no demônio é porque se baseiam em livros, passam a vida nas bibliotecas ou no escritório, enquanto que ao demônio não interessa os livros, mas as pessoas, especialmente os santos. Que pode saber de Satanás quem nunca teve de ver com a realidade de Satanás, mas só com sua idéia, isto é, com as tradições culturais, religiosas, etnológicas sobre Satanás? Esses tratam habitualmente o tema com grande segurança e superioridade, liquidando tudo como «obscurantismo medieval».

Mas é uma falsa segurança. Como quem se gaba de não ter medo algum do leão, aduzindo como prova o fato de que o viu muitas vezes pintado ou fotografado e nunca se atemorizou.

Por outro lado, é normal e coerente que quem não crê no diabo não creia em Deus. Seria até trágico se alguém que não crê em Deus acreditasse no diabo! O mais importante que a fé cristã tem a dizer-nos não é contudo que o demônio existe, mas que Cristo venceu o demônio. Cristo e o demônio não são para os cristãos dois príncipes iguais e contrários. Jesus é o único Senhor; Satanás não é senão uma criatura “deixada a perder”. Se lhe é concedido poder sobre os homens é para que os homens tenham a possibilidade de fazer livremente uma eleição e também para que não “se ensoberbeçam”, crendo-se auto-suficientes e sem necessidade de nenhum redentor.

“O velho Satanás está louco”, diz um canto espiritual negro. “Disparou um tiro para destruir minha alma, mas errou a pontaria e destruiu ao contrário meu pecado”. Com Cristo, não temos nada a temer. Nada nem ninguém pode nos fazer mal, se nós mesmos não o desejarmos. Satanás, dizia um antigo Padre da Igreja, após a vida de Cristo, é como um cão amarrado: pode ladrar o quanto quiser; mas se não formos nós a aproximar dele, não poderá morder. Jesus no deserto se libertou de Satanás para livrar-nos de Satanás! É a alegre notícia com a qual iniciamos nosso caminho quaresmal.

[Original italiano publicado por Famiglia Cristiana. Tradução realizada por Zenit.org]