O Peso do Mal - A responsabilidade do Bem

Semana Santa – férias – tempo para pôr a leitura em dia. Pego no última número da revista “TIME” (1 de Abril de 2002) que recebo semanalmente e leio na capa o título do artigo de fundo, “Can The Catholic Church Save Itself?” (Poderá a Igreja Católica Salvar-se a Si Própria?). O tema foca o escândalo dos abusos sexuais praticados por padres contra rapazes adolescentes e pre-adolescentes nos EUA, e o encobrimento que a Igreja deu a estas situações na maior parte dos casos. Vários jornais dizem que o Papa ficou profundamente abalado e entristecido com esta notícia. Sinto um peso cair sobre mim – tantas vidas estragadas, pelo menos duas das vítimas suicidaram-se mais tarde, tanto sofrimento, tanta fé destruída.

Claro que estes padres são uma minoria e claro que não são só alguns padres que vivem mal a sua sexualidade. Com alguma curiosidade devida ao meu trabalho como formadora em Educação da Sexualidade Humana, leio o testemunho pessoal de um padre condenado a oito anos de prisão nos anos ‘90, por abuso sexual de menores. “A maior parte das vezes só queria ou necessitava de uma proximidade física. Queria simplesmente estar perto. Mas o desejo sexual – ou a luxúria, não sei bem explicar, dominava-me. … Basicamente, do ponto de vista do meu desenvolvimento psico-sexual, nunca passei da adolescência.”

Uma boa educação da Sexualidade Humana trabalha todas as vertentes dessa sexualidade. Vivemos as nossas relações como homens ou mulheres e temos uma necessidade intrínseca de viver relações afectivas. Conhecermo-nos, vivermos harmoniosamente como um todo – corpo, alma, mente e sentimentos – sabermos controlar os nossos desejos e impulsos, integrar a genitalidade, tudo isto exige maturidade, capacidade de tomar decisões. É frequente ouvir comentários críticos em relação ao celibato dos padres. Aqui o problema não é o celibato, mas sim, a incapacidade de assumir compromissos que tanto pode acontecer com o celibato como com o casamento. Uma opção só pode ser livre se existir liberdade interior e essa liberdade interior só pode existir com maturidade. Maturidade sexual só pode existir com formação, informação e reflexão. Neste nosso mundo preocupamo-nos muito com a formação intelectual, com a capacidade de ganhar dinheiro, mas muito pouco com a formação humana e depois magoamo-nos a nós próprios e aos outros, por vezes irremediavelmente.

Esse peso do mal que senti ao ler o artigo acima mencionado aumentou durante as últimas semanas com as notícias vindas do Médio Oriente e do Sudão, onde bombardeiam as filas de pessoas à espera de receber comida porque há petróleo naquela zona. Tanto mal que só apetece meter-me na cama e puxar os lençóis por cima da cabeça, mas depois vejo pequenos sinais de esperança: o sem-abrigo ainda deitado a dormir no vão de um prédio em Lisboa à 1 hora da tarde, mas com uma pessoa ao pé a conversar com ele para saber se está bem; um jovem de fato e gravata sentado num banco na rua à frente da Catedral de Westminster, em Londres, a rezar o terço com um mendigo na sua hora do almoço; a minha mãe com oitenta anos, internada num hospital com uma insuficiência cardíaca, preocupada com a organização da distribuição do Banco Alimentar na paróquia; uma moça de catorze anos, residente num bairro pobre nos arredores de Lisboa que descreve o seu projeto de vida sonhado “Eu gostaria de ser uma ave de cor branca que voa sem destino certo, sempre alegre… Que a alma fosse translúcida e que todos a pudessem ver… a paz com que andava era transmitida de imediato para as pessoas. Que o meu amor apagasse o ódio, que a minha vontade de viver significasse algo de muito importante para o resto do mundo.”

A responsabilidade de fazer o Bem está nas mãos de cada um de nós, não o bem fácil mas aquele exigido e vivido por Cristo. O Bem que necessita de coragem, o Bem que defende a verdade e a justiça. O Bem que começa com o nosso vizinho mais próximo.
E que se prepare bem tanto o celibato como o casamento.