Não à Violência. Sim à Paz.

Ao mundo, à Humanidade, Nós ousamos dirigir a palavra suave e solene: Paz. Esta palavra oprime-Nos e exalta-Nos. Ela não é nossa: desce do reino invisível, o reino dos céus; e Nós advertimos bem a sua transcendência profética, que não é extinguida pelos nossos humildes lábios, que lhe prestam a voz: “Paz na terra aos homens, a quem Deus quer bem”(Lc. 2, 14). Sim, Nós repetimos: a Paz deve existir! A Paz é possível!

A Paz é o dom oferecido aos homens, que eles podem, eles devem acolher e colocar no vértice dos seus espíritos, dos seus programas, das suas esperanças e da sua felicidade.

A Paz – para já o recordamos – não é um sonho puramente ideal, não é uma utopia atraente, mas infecunda e inacessível; é, sim, e deve ser uma realidade: uma realidade móbil e a produzir em todas e cada uma das estações da civilização, do mesmo modo que o pão de que nos nutrimos, fruto da terra e da divina Providência, mas produto também do homem trabalhador. Porquanto a Paz não é um estado de ataraxia pública, em que quem dela desfruta está dispensado de toda e qualquer preocupação e defendido contra toda e qualquer importunação, e pode conceder-se uma felicidade estável e tranquila, a qual terá mais a feição de inércia e de hedonismo do que de vigor vigilante e operoso; a Paz é um equilíbrio que se apoia sobre o movimento e que desenvolve continuamente energias de espírito e de acção; é uma fortaleza inteligente e viva.

Ninguém hoje em dia ousa sustentar como princípios de bem-estar e de glória programas declarados de luta mortífera entre os homens, isto é, de guerra. Até mesmo onde as expressões comunitárias de um legítimo interesse nacional, sufragado por motivos que parecem coincidir com as razões prevalecentes do direito, não conseguem afirmar-se mediante a guerra, como via de solução, confia-se, ainda aí, que possa ser evitado o recurso desesperado ao uso das armas, hoje como nunca loucamente homicida e destruidor. Mas a consciência do mundo, no entanto, sente-se horrorizada pela hipótese de que a nossa Paz não seja mais do que uma trégua e do que uma incomensurável conflagração possa ser fulmineamente desencadeada.

A violência não é fortaleza. Ela é, sim, a explosão de uma energia cega, que degrada o homem que a ela se entrega, rebaixando-o do plano racional para o nível passional; e até mesmo quando a violência conserva um certo domínio de si, ela procura vias ignóbeis para se afirmar, as vias da insídia, da surpresa, da vantagem física em confronto com um adversário mais fraco e talvez indefeso. A violência é anti-social pelos próprios métodos que lhe permitem organizar-se com uma cumplicidade de grupo, no qual uma desviada e secretíssima solidariedade constitui o cimento de coesão e o escudo de protecção; um desonrante sentido da honra confere-lhe um paliativo de consciência; leva à revolução, e a revolução à perda da liberdade. É errado o eixo social em torno do qual a violência faz girar o próprio fatal desenvolvimento; tendo explodido como uma reação de força, não privada por vezes de um impulso lógico, ela conclui o seu ciclo contraposta a si própria e aos motivos que provocaram a sua intervenção. É caso para recordar, talvez, a frase lapidar de Cristo contra o recurso ao uso impulsivo de uma espada vingadora: “… Todos quantos se servirem de espada, à espada morrerão” (Mt. 26, 52). Recordemos, portanto: a violência não é fortaleza. Ela não exalta, mas rebaixa o homem que a ela faz recurso.

Entretanto, não podemos fechar os olhos perante a triste realidade da guerra parcial, quer pela razão de ela manter a sua feroz presença em zonas particulares, quer pelo motivo de, psicologicamente, ela não estar de facto excluída nas sombrias hipóteses da história contemporânea. A nossa guerra contra a guerra ainda não está vencida; e o nosso “sim” à Paz é ainda mais optativo do que real, porque em muitas situações geográficas e políticas, que ainda não foram compostas na base de soluções justas e pacíficas, permanece endémica a hipótese de futuros conflitos. O nosso amor à Paz tem de permanecer de sobreaviso.

Queremos considerar a causa da Paz espelhada na causa da própria vida humana. O nosso “sim” à Paz, estende-se a um “sim” à Vida. A Paz deve afirmar-se não somente nos campos de batalha, mas também onde quer que se desenrola a existência do homem. Há, ou melhor, tem de haver também uma Paz que defenda esta existência, não apenas das ameaças das armas bélicas, mas uma Paz que, para além disso, proteja a vida enquanto tal, contra todo e qualquer perigo, contra todos os danos e contra todas as insídias.

Quereis na verdade ser homens, e não lobos? Quereis na verdade ter o merecimento e a alegria de fazer bem, de ajudar quem tem precisão, de procurar realizar alguma boa obra, com o prêmio apenas da consciência? Pois bem, recordai-vos das palavras ditas por Jesus durante a última ceia, na noite antes da sua paixão. Ele disse assim: “Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros … E nisto precisamente todos reconhecerão que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns pelos outros” (Jo. 13, 34-35). É este o sinal da nossa autenticidade, humana e cristã: querer-nos bem uns aos outros.

Palavra de ordem: Não à violência; sim à Paz. Recomendamo-vos a Deus!

Papa Paulo VI
Mensagem de Paz – 08/12/77