Muros da indiferença

Há muito tempo atrás, conheci uma família considerada de classe média, na cidade onde morava. Devido a uma crise do governo, e um golpe do sócio de sua empresa, o casal enfrentou um déficit financeiro muito grande, dívidas e saldos negativos no banco. Pensou em várias maneiras de sair da crise, e acreditou que a solução seria evitar ajudar aquelas famílias necessitadas que passavam de vez em quando em sua casa pedindo ajuda.

Esta família então começou a estudar uma maneira de afastar aqueles necessitados. Seria uma ameaça ter que dividir o que recebiam com tanto esforço, porque julgavam ter sobrado pouco, tão pouco que até esse pouco, um dia, poderia lhes faltar. A ajuda era incumbência do “governo”, da “política”… Pensaram na hipótese de que, se ajudassem aquela família em determinado mês, ela voltaria no outro, e a cada dia precisaria de muito mais do que até então já tinham oferecido. O casal pensou também naqueles mendigos que queriam um dia pão, e no outro banho, e no outro, café. Armou fortalezas para evitar despesas, e quando haviam pequenas sobras de dinheiro, acumulava para os outros dias em que poderia faltar.

Através deste fato, lembrei-me de uma história que desejo lhes contar:

“Houve certa vez um povo que pesquisou os recursos do mundo. Depois, disseram uns aos outros: Como podemos ter certeza de que disporemos do suficiente em tempos de necessidade?

Queremos sobreviver em qualquer circunstância. Vamos começar acumulando alimentos, materiais e conhecimento, para que estejamos tranquilos e seguros quando uma crise ocorrer”.

Então, eles começaram a juntar e juntar, a tal ponto que outros povos protestaram e disseram: “Ei, vocês têm muito mais do que precisam, enquanto nós não temos o suficiente para sobreviver. Dêem-nos parte de sua riqueza”.

Mas os temerosos acumuladores responderam: “Não, não, não, nós precisamos manter isto para o caso de emergências, para o caso de as coisas correrem mal para nós também, para o caso de nossas vidas serem ameaçadas”.

O tempo passou, e então os outros disseram: “Estamos morrendo agora. Por favor, dêem-nos comida, materiais e conhecimento para sobreviver. Não podemos esperar. Precisamos agora”.

Então, os temerosos acumuladores ficaram ainda mais temerosos, porque tiveram medo de que os pobres e famintos os atacassem. E disseram uns aos outros: “Vamos construir muros em torno de nossa riqueza para que nenhum estrangeiro possa tirá-la de nós”. Assim, começaram a erguer muros tão altos que não conseguiam mais ver se havia inimigos do lado de fora ou não. E, quando seu medo aumentou, disseram entre si: “Nossos inimigos se tornaram tão numerosos que talvez sejam capazes de derrubar nossos muros. Os muros não são suficientemente fortes para mantê-los longe. Precisamos pôr bombas no alto dos muros para que ninguém ouse sequer se aproximar de nós”.

Porém, em vez de se sentir tranqüilos e seguros por trás dos muros armados, eles se viram fechados na prisão que haviam construído com seu próprio medo. Ficaram até com medo de suas próprias bombas, imaginando se poderiam prejudicar mais a si mesmos que ao inimigo.

E, gradualmente, perceberam que seu medo da morte os levara para mais perto dela.

(Do livro “Estrada para a Paz” – Henri Nowen – Ed. Loyola)

Voltando à história daquela família, é uma pena perceber que, em muitos casos, enganamo-nos com as supostas maneiras de se enfrentar uma crise. Criamos então um círculo vicioso, do qual nos tornamos dependentes. Os muros do egoísmo e do poder nos sufocam, e as armadilhas que criamos se voltam para nós mesmos.

Não mais trago esta situação que vive apenas uma família, ou um simples membro da família humana, mas o que representa uma crise global, que está encarnada nos mais variados modelos de vida na sociedade: a indiferença. Acompanha-me esta palavra, uma pergunta inquietante: de que forma superaremos a crise?

Fica agora esta resposta, a critério de um coração solidário, que do outro lado desta tela que nos separa, está a pensar nas diversas maneiras de se vencer a indiferença, em um mundo tão pobre e carente de amor.