Miséria, fome e ALCA

Na última assembléia da CNBB, um assunto foi tomando conta das preocupações dos bispos. A miséria e a fome de milhões de brasileiros. Sem esquecer que esta triste realidade é ainda mais grave na África. E que ela se alastra cada vez mais em toda a América. Até dentro dos Estados Unidos. Que dirá nos pobres países deste continente que teria tudo para ser um paraíso de vida, mas que para muitos está se tornando um inferno onde o tormento está no estômago, e a insatisfação extravasa em múltiplas formas de violência.

Com este panorama, nada mais coerente para os sucessores dos apóstolos do que seguirem o exemplo do Mestre. Diante da multidão faminta, ele teve sentimentos de compaixão. Mas compaixão ativa e eficaz. Pediu que colocassem à disposição o pouco que havia, e deu a ordem peremptória: ‘Dai-lhes vós mesmos de comer!‘.

Mesmo com a insegurança de não saberem a quantia exata de pães e de peixes que tinham à disposição, os bispos se apressaram em sintonizar com os sentimentos e a urgência do Mestre. Convocaram um mutirão nacional para superar a miséria e fome.

Neste contexto, emerge com força o contraste de preocupações e de procedimentos entre a proposta dos bispos e os objetivos da ALCA, a dita “Área de Livre Comércio das Américas”, que o governo dos Estados Unidos quer impor a todos os outros países da América, com a urgência ditada por uma fome de ganância e de lucros, que não tem nada a ver com a fome do povo que habita estes países.

Diante de um continente que arde em crises sociais e de países que explodem sob o peso da exploração financeira que tomou conta da economia mundial, o governo dos Estados Unidos não está nem aí com a miséria do povo. Ao contrário, ele parece entusiasmado com as oportunidades de bons negócios que as turvas águas do momento propiciam aos espertos e poderosos. Sua urgência não é matar a fome do povo. Sua pressa é impor uma liberdade de comércio que possibilite abocanhar vantagens diante da fraqueza dos outros. Face à miséria que cresce, a Alca vem propor um festival obsceno de negócios. Em vez de compaixão pelos pobres, a fartura de lucros exorbitantes, às custas do agravamento da miséria.

Em vez de superar as desigualdades, os idealizadores da Alca se encantam com as oportunidades que elas propiciam. E não se tocam diante do espetáculo que vai se tornando corriqueiro, do contraste entre ricos aeroportos, onde transitam mercadorias sofisticadas para capricho de uns poucos, e os lixões de detritos, onde os pobres disputam os restos que sobram do esbanjamento irresponsável e insensível.

Nestes dias em que a hipocrisia da sociedade se fartou com a divulgação de escândalos sexuais atingindo algumas figuras da Igreja, é necessário dizer que a Alca é a pior das pedofilias, que se pretende encobrir sob o manto da liberdade. Todos concordam que os pequenos não podem ser atropelados pela prepotência dos grandes, sobretudo se sua dignidade pessoal for atingida. Pois vem agora o governo dos Estados Unidos propor uma liberdade total de comércio, colocando o peso paquidérmico da economia americana sobre as coitadas economias de pequenos países, como Honduras, Nicarágua, Bolívia, e tantos outros. E diante do Brasil, talvez o único que poderia opor alguma resistência, baseada em seu potencial econômico, os negociadores arreganham os dentes, ameaçando com represálias. Então, é hora de gritar. Se os grandes perdem a vergonha, os pequenos não querem perder sua dignidade. Eles vão se sentir muito mais livres, se livres estiverem da parceria com leões de dentes afiados e voracidade insaciável.

Diante do continente americano que se contorce na miséria e na fome, há uma opção a fazer, entre dois caminhos que se apresentam. É hora de compaixão, ou é hora de exploração? E’ mutirão contra a miséria e a fome, ou é campeonato de negócios escusos? A resposta do Evangelho é clara: “Ide aprender o que significa: eu quero misericórdia, e não sacrifício”. Eu quero amor e solidariedade, não quero esta alca obscena e hipócrita!