Meu primo morreu do jeito certo

O celular tocou e minha mãe deu a notícia de uma vez só: “Filho, o João Hamilton descansou”! Foi quase um ano de luta contra um câncer galopante. Acompanhei de longe a batalha dele em favor da vida. Quando os médicos suspeitaram de que seria “a tal doença”, resolveram fazer a cirurgia. Não adiantou. O estágio estava muito adiantado. Friamente, o médico disse que ele teria mais ou menos um mês de vida. Outras pessoas, nesta situação, se revoltariam e passariam trinta dias de angústia, amargura e revolta. Mas, meu saudoso primo surpreendeu a todos. Assumiu o fato como normal e passou a preparar bem o momento final e a viver cada dia como se fosse o último. Quem o encontrava ficava pasmo com a naturalidade com que ele se referia ao seu fim iminente.

Ele tinha algo de Francisco de Assis, o qual chegou a chamar a morte de irmã. Preparou a família. Consolou a esposa e a filha. Deu dicas para o padre que iria fazer o sermão de seu enterro. Distribuiu os bens. Organizou tudo direitinho. Quem o visitava – com a intenção de lhe dizer algo que o animasse – voltava para casa com uma palavra quase incompreensível. Como entender que a dita “doença maldita” se torne uma “bênção” na vida de alguém? Ele descobriu que nem sempre o milagre nos livra da dor. Às vezes, ele nos garante o céu. Entendeu que aquele que tem um câncer vive o purgatório por antecipação. Ele mesmo consolou os doentes. Somente pessoas nestas condições têm autoridade moral para dizer que a doença pode ser uma bênção.

Já estava tudo pronto. Passaram-se os trinta dias da sentença médica. Ele permanecia entre nós. Durou doze vezes o que a medicina previu, pois soube dar um sentido à vida. Quando já estava bastante fraco, ainda teve forças para reunir toda a família no aniversário de sua esposa e dar uma festa. Foi seu último testemunho público de uma vida vitoriosa. Depois disso, ele passou a se preparar para o grande encontro.

João Hamilton não era um santo do tipo padrão. Nunca foi “igrejeiro”. Era caminhoneiro. Homem das estradas. Comeu e fumou demais. A natureza não o perdoou, mas, por algum motivo, Deus lhe deu a graça de uma morte bonita nos braços da filha a quem tanto amou. Morreu cedo. Não chegou aos sessenta anos de idade. A morte é um fato diante do qual muitas coisas escondidas aparecem. Por vezes, quem era mau fica bom e alguns bons acabam revelando suas maldades. Ateus pedem oração e cínicos fazem seu ato de contrição. No dia da morte de Jesus, um ladrão acabou ganhando o céu. E o outro? Perdeu a chance de ouro.

Mas fico me perguntando: “Por que tenho de esperar uma doença, ou o momento fatal?” Não é mais inteligente mudar agora? João Hamilton nos faz pensar. Ninguém sabe o dia ou a hora. Sempre pensamos que a tragédia baterá na porta do vizinho. Mas, um dia, o sinistro nos encontra e é bom que estejamos preparados. Pode não haver o tempo de três ou quatro meses para prepararmos tudo direitinho. Que tal fazer uma confissão?