Gratidão e dor por João Paulo II

O Santo Padre o Papa João Paulo II completou a tarefa que Deus lhe confiou. Volta agora para a casa do Pai com a certeza de ter cumprido sua missão.

A dor pela sua ausência é tão grande quanto a gratidão pela sua vida, pela sua presença que foi uma bênção para a Igreja e para o mundo. A Igreja vive uma certeza maior de sua missão, graças ao testemunho do Santo Padre. E o mundo também, porque ele soube valorizar cada pessoa humana, pela sua dignidade de filho de Deus, diferente da concepção dominante que mede o homem pelas capacidades e condições já possuídas, e, que por isso, nega dignidade aos mais fracos e aos mais necessitados de ajuda.

As manifestações de afeto e as homenagens que lhe são prestadas no mundo inteiro, ultrapassando os limites das comunidades católicas, atestam a grandeza de sua personalidade. Cada pessoa lembra com entusiasmo algum ponto saliente do seu caráter, percebe algum valor particular dos seus muitos dons.

Mas, acima de tudo, cabe lembrar a figura de uma testemunha, que deu a vida pela paixão que o movia interiormente, a paixão por Jesus Cristo e por sua Igreja. A infatigável jornada de sua vida viajando pelos mais diversos países, a vontade de utilizar até o último suspiro de sua existência para a gloria de Cristo, documentam a entrega deste homem ao desígnio misterioso de Deus, fazendo-se obediente até a morte. Se procurasse a própria glória não mostraria o seu rosto contorcido pela doença e pela dor.

Não teve receio de mostrar sua fragilidade porque, mesmo em condições físicas deploráveis, apontava para Jesus Cristo como o Salvador, o Redentor. As últimas palavras que ele escrevera, para que fossem lidas no 2o domingo de Páscoa falam da misericórdia de Deus e da vitória de Cristo sobre o mal, mesmo quando, como em nossa época, tudo parece dizer que o mal vence. Em todo o mundo, assim como no próprio corpo, só em aparência o mal é vitorioso, porque o Amor de Deus é maior, Cristo vence.

Em cada discurso, em cada encontro, demonstrava uma estima pelo humano, por cada homem concreto. Ele sempre apontou o cristianismo como o caminho para a realização da felicidade do homem, para viver na liberdade, para lutar pela justiça, para conseguir a paz.

No mundo, conturbado por muitas formas de violências, de conflitos, de terrorismos – desafios imensos para a Igreja e para os governantes – João Paulo II alternava mediação e profecia, mas sempre se porta-voz das melhores mensagens de amor e de paz, a mensagem provocadora do Evangelho que o amor vence o ódio, o bem vence o mal, a vida vence a morte. E procurou explicar sua posição de fé, servindo-se de uma bem fundamentada racionalidade.

Muitas vezes o Papa nos lembrou, em seus discursos e em seus escritos, que o homem se realiza somente no amor, encontra a satisfação mais plena e duradoura somente no amor. Teve o cuidado de esclarecer, no entanto, que para ser amor, deve ser dom sincero de si mesmo para o bem, para a felicidade de outrem. Entre marido e mulher, entre amigo e amigo, nas comunidades pequenas ou grandes, na convivência social, no convívio entre os povos, este é o caminho para vencer a agressividade, para derrotar a violência, para abrir as portas para a paz. E apontava o exemplo de Jesus, especialmente na cruz, quando deu sua vida para o bem, para a felicidade de outros, inclusive de quem O estava crucificando.

Não é difícil reconhecer que esta postura de amor, entendido como dom sincero de si mesmo para o bem dos outros, orientou cada passo do Papa, tornando-se mais que um discurso, o testemunho mais valioso de sua existência.

Saiu peregrinando pelo mundo procurando a aproximação com outras religiões, a compreensão entre os diversos líderes políticos, tentando evitar conflitos, acreditando sempre na possibilidade do entendimento, da vitória da razão, e do amor ao bem sobre os cálculos e sobre os ódios.

Nesse sentido, pode-se reconhecer um estreito entrelaçamento entre o magistério pontifício, o que ele nos ensinou através dos documentos e dos discursos realizados nos 27 anos de pontificado e sua concreta maneira de viver. Reflexão e testemunho fundem-se nele numa coisa só e, certamente, esta é uma das razões que explicam o fascínio de sua personalidade.

Quando sofreu o atentado, em 1981, na praça de São Pedro, seu sangue derramado lembrou os mártires que pagavam com a vida o testemunho de Cristo, que incomodava aos poderosos do momento. Era o dia 13 de maio, festa de Nossa Senhora de Fátima, e o Santo Padre atribuiu à sua proteção a preservação de sua vida. Foi grande a comoção do mundo ao vê-lo perdoar e abraçar o homem que tentou assassiná-lo. Fala ao nosso coração e nos provoca a seguir o seu exemplo, segundo as palavras de Jesus: “Amai os vossos inimigos, fazei o bem àqueles que vos perseguem”.

Nas viagens pelo Brasil, estabeleceu com o povo sintonia e recíproca simpatia suscitando admiração de todos. “João de Deus” foi amado e aplaudido em todas as cidades por onde passou, não como manifestação do folclore religioso local, mas como o reconhecimento de uma presença humana extraordinária, através da qual o próprio Cristo ressuscitado se faz presente em nosso tempo.

O Santo Padre realizou finalmente a última grande viagem, de volta para o Pai! De maneira tão forte participou na terra da cruz de Cristo; certamente vai participar da sua glória. Queremos acompanhá-lo nesta hora com a oração, com o coração comovido e dolorido, com gratidão e com a certeza de que a vitória de Cristo sobre a morte o conduz para a feliz morada eterna.

Consideremos os seus ensinamentos, para compreender melhor o seu significado, a fim de aprender a grandeza que admiramos. É difícil imitar os heróis; os santos, porém, apresentam um caminho possível para cada um. O Santo Padre, então, nos convida para segui-lo na santidade da entrega total a Cristo, onde se encontra a plena realização humana.

É o que celebramos na Solenidade da Anunciação do Senhor para a qual o Padre havia preparado uma mensagem: “A solenidade litúrgica da Anunciação que celebramos nos leva a contemplar com os olhos de Maria o imenso mistério do amor misericordioso que brota do Coração de Cristo. Ajudados por Ela possamos compreender o sentido verdadeiro da alegria pascal, que se funda sobre esta certeza: aquele que a Virgem trouxe em seu seio, que sofreu e morreu por nós, ressuscitou verdadeiramente.
Aleluia!”. E ressuscitou também para nós: para cada homem, para o Santo Padre!

Não é verdadeiramente cristão dizer que “perdemos o Santo Padre”. Com a sua morte, com a sua chegada à casa paterna, nós “ganhamos um intercessor!” Descanse em paz o Santo e Amado Padre!