Esteios da confiança

Ninguém descuida daquilo que ama. Por mais simples que seja o objeto do seu amor, ele é envolvido de um cuidado todo particular. “Cuidar” tem uma etimologia muito particular: vem do latim cogitare, com muitas possibilidades de tradução, além de pensar. Cuidar, significa ainda em português imaginar, meditar, supor, atender, considerar.

Quando pensamos em Deus-Criador, poucas vezes relacionamos o seu ato de criar ao seu constante ato de cuidar. Ele não desampara suas criaturas. Pensemos no homem, enquanto ápice da criação e para quem tudo foi criado! Quando o homem reflete sobre isso, deixa escapar uma expressão de sua grande admiração: “É maravilhoso demais para eu poder compreender” (Sl 139,6). Assim é o amor de Deus. O salmista, na realidade, se torna incapaz de dizer o que Maria Santíssima, por sua vez, proclamou com o seu cântico: “Minha alma exulta de alegria em Deus, meu Salvador” (Lc 1, 47). Ela sintetizou em suas palavras toda a maravilhosa história de amor entre Deus e os homens.

Sabemos que constituiu um povo para si, declarou-se o seu Deus e jamais o abandonou. Para garantir a fidelidade de suas promessas, fez muitas vezes Aliança com seu povo. Deus sabia que seu povo não lhe seria fiel; mas, em seu eterno plano de Amor, preferiu confiar em sua criação. O amor de Deus é insondável e imutável. Por isso, procurando tornar o coração dos homens cada vez mais sensível aos seus reclamos de amor, enviou mensageiros especiais para falar em seu nome: os profetas. Estes procuravam anunciar aos homens de forma direta: “Assim diz o Senhor”.

É certo que poucas vezes foram ouvidos e, mesmo anunciando em imagens terríveis um futuro difícil, nem os homens assim se convertiam. Os exílios, a perda da identidade nacional, a destruição dos sinais de aliança, foram meios pedagógicos para trazer o povo novamente de volta para si. Diante desse tipo de experiência, muitas vezes se pensou em Deus como alguém severo demais para com seu povo. Mas se um é pai severo, ele o faz por amor. As rigorosas medidas de Deus eram acima de tudo pedagógicas. Ao mesmo tempo, porém, esse mesmo Deus terrível era movido por toques maternos de grande carinho: “Mesmo que uma mãe esqueça seu filho, eu não te esquecerei” (Is 49, 15).

E assim, mesmo com todos os altos e baixos, com incertezas e horizontes escuros, o encanto de Deus pela humanidade tinha um grande objetivo: o Messias, o Salvador do seu povo. Animado pela esperança de um Messias, o povo procurou entender toda a sua história. Era preciso ser fiel à Palavra, vivê-la no mais íntimo de suas vidas e entender cada expressão, cada palavra das Escrituras. Mas, enquanto o povo procurava nas Escrituras a vinda desse Messias, que lhe devolveria a dignidade nacional, que faria com que Israel fosse novamente respeitada e temida entre as Nações, que garantiria que o trono de Davi voltaria a ser ocupado por seu legítimo descendente, num canto quase esquecido do mundo, nasce o Filho de Deus. Esta foi a grande resposta de Deus. “Deus amou tanto o mundo que enviou o seu Filho amado” (Jo 3,16) e, para tal evento, preparou para seu Filho Mãe que fosse digna dele (Missal Romano, Prefácio da solenidade da Imaculada Conceição). Em Maria, o silêncio mais perfeito que houve no mundo, ecoa a eterna e divina Palavra. Deus confiava ao mundo dois grandes tesouros: a Mãe e o Filho!

Quanto mais o povo esperava um Messias triunfante, político, libertador de opressões sociais, poderoso e revolucionário, mais Ele se revelava humilde, irmão, orientador de direitos e deveres de cada cidadão de seu tempo, quaisquer que fossem as classes a quem dirigisse sua mensagem de salvação. Em seus milagres, dava novamente a todos a oportunidade de participar da vida social e religiosa de seu país.

O Messias triunfante esperado iria se configurar cada vez mais ao Servo Sofredor de Isaías 53, a forma mais horrível a que ficou reduzida aquele que era “o mais belo dos filhos dos homens” (…). E a humanidade inteira, ferida pelo pecado, foi curada “por suas chagas” (Is 53,5). A confiança em Deus era readquirida pela força do amor. Assim, ao chamar para junto de si apóstolos e discípulos, procurava estabelecer um jeito de permanecer sempre entre os homens: “Eis que estarei sempre convosco” (Mt 28, 20)

A Igreja é o prolongamento do mistério de confiança aqui e agora. Ninguém jamais poderá duvidar de que nela se encontra a sua salvação, a sua alegria, a presença real de Jesus. É a voz de Jesus que ecoa na Igreja. É a certeza de que Deus continua cuidando de sua criação, porque cada fiel traduz em si uma encantadora história de amor entre ele e Deus.

Dom Eusébio Oscar Scheid
Arcebispo do Rio de Janeiro